sábado, 11 de maio de 2013

A Soberania de Deus na Educação - Rousas J. Rushdoony



Embora nossas evidências sejam por vezes fragmentadas, uma das áreas mais interessantes de estudo na igreja primitiva diz respeito à adesão à igreja. Tanto a latitude quanto a severidade dos padrões nos são surpreendentes à primeira vista. A Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios nos mostra que alguns novos membros ainda mantinham a crença Grega que os pecados da carne nada significavam, uma vez que apenas o espírito é religiosamente significativo; eles se gabavam de sua "liberdade" em assuntos da carne (I Cor. 5:1-2). Por outro lado a rápida reação de São Paulo era exigir e assegurar a excomunhão dos ofensores (I Cor. 5:13) e então sua restauração sob arrependimento (II Cor. 2:6-11). 

No Sínodo de Ancira, em 314 D.C., vemos quão sério o pecado era considerado. Membros em pecado eram barrados da comunhão completa por um longo período de tempo como punição pelas suas ofensas: sete anos por adultério, dez anos por aborto, e assim por diante; assassinos arrependidos recebiam a comunhão completa apenas em seu leito de morte. Ofensas capitais que o estado não punia com morte a igreja portanto punia com um longo lembrete da seriedade de sua ofensa. A prática de adivinhação, mágica, bruxaria, e similares, significava uma suspensão de cinco anos.

Um dos argumentos que dividiu a igreja primitiva dizia respeito ao retorno após perseguições de membros que negaram Cristo quando confrontados com a morte. A igreja como um todo favorecia a restauração sobre processos devidos, enquanto grupos divisores rejeitavam sua volta. 

Outro problema que preocupava a igreja era a vocação dos membros. Poderia um soldado, um juiz, um oficial do império, ou várias outras pessoas serem Cristãs? A atitude moderna é rejeitar tal pergunta e aludir à Filipenses 4:22, "Todos os santos vos saúdam, mas principalmente os que são da casa de César." A referência é provavelmente à homens que ocupavam cargos de alto-escalão na gestão dos reinos de César. Eles eram Cristãos em boas posições, e ostensivamente isto deveria encerrar a questão. Não é bem assim. Nós de fato sabemos que, embora todas as vocações legítimas fossem chamados divinos, muitos homens em tais vocações, quando exigidos a fazer algo que fosse contra suas consciências, resignaram, testemunharam contra as ordens, e morreram por sua fé. O homem justificado devia justificar seu chamado em termos da palavra de Deus e sua utilidade para o Reino de Deus. Havia um forte senso de responsabilidade para com o Reino que não podemos ignorar. Não devemos idealizar a igreja primitiva: ela tinha sérios problemas e erros, era frequentemente infectada com filosofias Gregas, tinha problemas com convertidos fracos e ignorantes, e amiúde enfrentava tensões internas. O que a marcou enfaticamente como forte em um mundo moribundo e atomístico era seu forte senso de ser uma nova humanidade em Cristo, a nova e vitoriosa raça nascida do último Adão, e portanto uma comunidade que tinha fortes laços uns com os outros. Williams, embora chame atenção às aberrações da igreja primitiva, ainda afirma que a mesma foi uma igreja notável:

Houvesse o Dia do Julgamento acontecido naqueles dias, a maioria dos crentes teria sido colocada à mão direita do Rei. Os doentes e pobres eram cuidados, e trabalho era encontrado para os desempregados. Estranhos eram entretidos como irmãos em Cristo. Aqueles que haviam perdido tudo ao invés de negar sua fé, eram suportados e abrigados. Nosso Sunrise Service anual era uma preocupação diária, pois cada dia trazia sua mensagem da Páscoa. A vida privada pertencia à comunidade de santos e era moldada pelos seus decretos e sustentada pelos seus recursos. O lar também era tido como uma reserva espiritual para nutrir a família no amor e temor do Senhor. Eles eram cidadãos do Reino de Deus e os maiores benfeitores do Estado.

O senso de comunidade era intensamente forte. O imperador anti-Cristão, Juliano, declarou, "Estes Galileus ateus alimentam não apenas seus próprios pobres, mas também os nossos; nossos pobres carecem de cuidados."

A igreja primitiva levou a sério as palavras de São Paulo em I. Cor. 7:20-23. Primeiro, homens piedosos não são revolucionários: o caminho do Senhor é regeneração, não revolução. Portanto, um ataque frontal, por exemplo, à escravidão, era proibido. Segundo, se possível, eles deveriam procurar a liberdade honestamente como a melhor condição para os homens livres de Deus. Terceiro, como servos ou escravos de Cristo, comprados por um preço, eles não poderiam voluntariamente tornarem-se escravos de homens. 

Como resultado, embora Cristãos pudessem ser funcionários públicos sob César, eles eram servos de Cristo apenas. Eles não podiam, diferente de muitos funcionários públicos, enxergarem a si mesmos como servos do povo, ou servos do estado. Eles eram servos de Cristo, "comprados por um preço." 

A igreja primitiva tinha sérias fraquezas que de longe ultrapassam aquelas da igreja atualmente, mas sua força era muito maior. Havia uma razão para isto. Primeiro, como Williams apontou, os fiéis eram uma comunidade, e uma comunidade responsável. Segundo, a igreja primitiva tinha consciência de seu conflito com o mundo; agora, há pouco senso de conflito. Não ocorreria à uma igreja atual, seus oficiais, ou seus membros levantar tais questões como estas: É um juiz que não desafia a lei humanista que está tomando conta de nosso país fiel à Cristo? É ele o servo do povo, ou do estado, ou é ele servo de Cristo? Podem empregadores e trabalhadores desconsiderarem Efésio 6:5-9 e serem contados como piedosos? Nós não aceitamos que cafetões e prostitutas se torne membros da igreja, mas podemos nós legitimamente aceitar antinomianos que assumem que uma profissão verbal de fé pode substituir uma negação de Cristo em seus trabalhos?

Acima de tudo, podemos reter em comunhão pessoas que afirmam Cristo como Senhor e Salvador e todavia entregam seus filhos à uma escola ímpia? Houve um tempo onde a maioria das igrejas disseram não; algumas ainda passam pela formalidade de pedir aos membros que se lembrem de sua obrigação de criar seus filhos no Senhor, mas ela não é mais uma base para excomunhão. E todavia as Escrituras repetidamente exigem que ensinamos a palavra-lei de Deus à nossas crianças (Deut. 6:7, 20-25). As Escrituras exigem, de fato, a pena de morte para a adoração à Moloque (Lev. 18:21; 20:2). Santo Estêvão citou este fato de adoração à Moloque como um dos maiores pecados de Israel (Atos 7:43). 

É importante que entendamos o significado da adoração à Moloque. A palavra de fato é Melekking, mas os profetas Hebreus deliberadamente a pronunciavam de maneira errônea, introduzindo as vogais da palavra Hebraica para vergonha. Melek, Moloque, ou Milcom, ou literalmente, o rei, era o deus dos Amonitas e de outros povos. Esta religião afirmava, não a soberania dos Deus das Escrituras, mas sim a divindade do estado e seu governante. Ceder as crianças ao fogo para Moloque era sacrifício humano, e é este aspecto dramático da fé que a maioria das pessoas se lembra, sem pensar de fato em seu significado. Apenas em raras ocasiões eram tais sacrifícios humanos exigidos. Em princípio, eles afirmavam a soberania absoluta do rei que possuía o direito de pegar qualquer coisa quando suas necessidades o exigissem. O sacrifício humano avançava seu título à todas as crianças em todos os tempos. Elas pertenciam ao estado, para serem ensinadas a fé do estado, para morrerem para o estado, afim de trabalharem para o estado, e, em todas as coisas, a serem criaturas de seu rei, Moloque. Portanto, o coração da adoração à Moloque não era o sacrifício humano pelo sangue mas o sacrifício humano em submissão diária ao rei como senhor absoluto e soberano.

A resposta Bíblica à Moloque para o homem de fé vem cedo. Deus como soberano absoluto afirmou Seu direito de exigir a vida de Isaque à Abraão (Gên. 22). Abraão concordara com isto, e foi abençoado por Deus. Deus não exigiu a morte de Isaque, mas Ele tornou claro Seu direito absoluto à vida de cada criança dentro da aliança. Nossas crianças pertencem a Deus, não aos homens, nem ao pai (tal como Abraão), nem ao estado de Moloque.

O problema hoje é a adoração à Moloque. A própria razão para o estabelecimento de escolas estatais tem sido, desde os dias de Horace Mann, o controle do homem pelo estado. Já em 1788, Jonathan Jackson, um defensor da educação estatista na Nova Inglaterra escreveu, em seu Thoughts Upon the Political Situation of the United States, (Pensamentos Sobre a Situação Política nos Estados Unidos) contra a idéia de escolas privadas e jornais de propriedade privada; propriedade do estado era o seu evangelho. Ele manteve que a sociedade deve ser uma larga família com a elite governante como seu pai. Esta, obviamente, é simplesmente a tese da sociedade de Moloque. A Realeza de Cristo é substituída pela Realeza do Homem.

O mal é agravado pelo fato de que supostos Cristãos estão atualmente separando senhorio da salvação e negando o senhorio de Cristo antes do milênio. Tal visão é uma negação de Cristo, quem é enfaticamente declarado pelas Escrituras como "o Senhor Jesus" (Rom. 10:9, etc.). Ademais, São Paulo em I Cor. 12:3 declara,

Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo.

Isto torna claro que, se os homens negarem que "Jesus é o Senhor," eles não falam "pelo Espírito Santo" mas sim por outro espírito.

As raízes de nosso problema atualmente estão parcialmente na influência Maniqueísta sobre a igreja. O Maniqueísmo dividia a realidade em dois reinos, o espiritual sob o deus bom, e o material sob o deus mal. Qualquer coisa que fosse feita no reino material era por natureza estranha e irrelevante à piedade. Isto reduzia o casamento, incesto, e homossexualidade ao mesmo nível em teoria e por vezes também em prática. Significava também que o senhorio do deus bom estava limitado ao reino espiritual, e envolvimento de seu povo no reino material deveria ser evitado e significava um acordo com o mal.

Sob a influência de idéias neoplatônicas e Maniqueístas, a igreja em anos recentes tem recuado do mundo, recuado da educação, política, ciências, artes, e todas as outras coisas. Ela tem por meio disto negado o senhorio de Jesus Cristo.

Em Jeremias 31:31-34 nós temos uma profecia da nova aliança em Cristo e seus resultados finais. No v. 34, nos é dito

E não ensinará mais cada um ao seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conhecei ao SENHOR; porque todos me conhecerão, desde o menor até o maior deles, diz o SENHOR; porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais me lembrarei de seus pecados.

Esta é uma visão do mundo na qual o evangelismo básico não será mais necessário, pois todos os homens possuem um conhecimento do Senhor. Tal ordem de mundo não é possível sem escolas Cristãs, escolas que ensinam cada assunto em termos de pressuposições Bíblicas e as quais também fornecem um estudo sistemático da palavra de Deus à todas as crianças.

A soberania de Deus na educação exige que reorganizemos toda nossa educação em termos da fé e pressuposições Bíblicas, que afirmemos os direitos à coroa do Rei Jesus em todas as áreas da vida e pensamento, e que submetamos ao Senhor a devida obediência na igreja, estado, escola, casa, vocação, e em toda a vida. Nada menor do que isto é Cristão. A doutrina da soberania de Deus o exige.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Porque o Novo Testamento se Cala Sobre a Escravidão - Ou Realmente se Cala?

Escravos como Pessoas

O Novo Testamento pressupõe uma igualdade fundamental pois todos os humanos são criados à imagem de Deus (Tiago 3:9). Todavia, uma unidade ainda mais profunda em Cristo transcende os limites humanos e estruturas sociais: não há Judeu ou Grego, escravo ou livre, mulher ou homem, uma vez que todos os que  crêem são "um em Cristo Jesus" (Gálatas 3:28; Colossenses 3:11).

Alguns críticos declaram, "Jesus nunca disse nada sobre a injustiça da escravidão." Não é bem assim. Ele explicitamente se opôs à todas as formas de opressão em Sua missão de "proclamar liberdade aos cativos... a abertura de prisão aos presos" (Lucas 4:18; Isaías 61:1). Enquanto Jesus não fez pressão por um plano de reforma econômica em Israel, Ele de fato tratou de assuntos tais como ganância, materialismo, contentamento e generosidade.

Os escritores do Novo Testamento trataram de atitudes subjacentes concernentes à escravidão: Senhores Cristãos chamavam servos Cristãos de "irmãos" ou "irmãs." O Novo Testamento exigia que os senhores mostrassem compaixão, justiça e paciência. Sua posição como senhores significava responsabilidade e serviço, não opressão e privilégios. Portanto, a semente já estava na terra para alterar estruturas sociais.

Tanto os escritores do Novo Testamento quanto Jesus, seu Mestre, se opuseram à desumanização e opressão de outros. De fato, Paulo dispensou regras em Efésios 6 e Colossenses 4 não apenas para servos Cristãos, mas também para senhores Cristãos. Os escravos eram em última análise responsáveis perante Deus, seu Senhor celestial. Mas os mestres "devem tratar seus servos da mesma maneira" - a saber, como pessoas governadas por um Senhor celestial (Efésios 6:9). O comentarista P. T. O'Brien ressalta que a "exortação secreta de Paulo era uma afronta" ao seu tempo. [2]

Dada a igualdade espiritual de escravos e livres, escravos até mesmo ocuparam posições de liderança em igrejas. O ministério de Paulo ilustra como em Cristo não há escravo ou livre, quando ele saudava as pessoas pelos nomes em suas epístolas. Algumas dessas pessoas haviam usado nomes de escravos e libertos. Por exemplo, em Romanos 16:7,9, ele se refere à escravos tais como Andrônico e Urbano (nomes comuns de escravos) como "parentes" e "companheiros na prisão" e "cooperadores". A abordagem do Novo Testamento ao tema da escravidão é contrária àquela de aristocratas e filósofos tais como Aristóteles, que defendeu que alguns humanos eram escravos por natureza (Política I.13).

Paulo lembrou os senhores Cristãos que eles, juntamente com seus servos, serviam o mesmo Mestre imparcial. Portanto, eles não deviam maltratá-los mas antes tatá-los como irmãos e irmãs em Cristo. Paulo exortou os senhores humanos a conceder "justiça e equidade" aos seus servos (Colossenses 4:1) De maneira nunca antes vista, Paulo tratou os servos como pessoas moralmente responsáveis (Colossenses 3:22-25) que, assim como seus senhores Cristãos, são "irmãos" e parte do corpo de Cristo (I Timóteo 6:2). [3] Cristãos - tanto senhores como servos - pertencem à Cristo (Gálatas 3:28; Colossenses 3:11). Status espiritual é mais fundamental e libertador do que status social.

O Silêncio dos Escritores do Novo Testamento sobre a Escravidão

Embora os críticos declarem que os escritores do Novo Testamento se mantiveram calados sobre a escravidão, nós podemos ver uma oposição sutil à ela em várias maneiras. Podemos confiantemente dizer que Paulo teria considerado a escravidão pré-guerra Sulista com seu mercado uma abominação - uma violação completa da dignidade humana e um ato de sequestro. Na lista de vícios enumerados por Paulo em 1 Timóteo 1:9,10, ele expõe do quinto até o nono mandamento (Êxodo 20; Deuteronômio 5). Lá Paulo condena os "roubadores de homens" que roubam o que lhe não é de direito. [4]

Os críticos se perguntam porque Paulo ou os outros escritores do Novo Testamento (1 Pedro 2:18-20) não condenaram a escravidão ou ordenaram que os senhores libertassem seus servos. Nós devemos primeiramente separar esta questão de outras considerações. A posição dos escritores do Novo Testamento sobre o status negativo da escravidão era clara em vários pontos: (a) eles repudiavam comércio de escravos; (b) eles afirmaram a completa dignidade humana; (c) eles encorajaram os servos a adquirirem a liberdade sempre que possível (1 Coríntios 7:20-22); (d) suas afirmações Cristãs revolucionárias, se consideradas seriamente, iriam ajudar a desfazer o tecido da instituição da escravidão, que foi o que de fato aconteceu após vários séculos - na eventual erradicação da escravidão na Europa; e (e) em Apocalipse 18:11-13, a decaída Babilônia (o mundo dos opositores de Deus) jaz condenada pois tratara humanos como "mercadoria," tendo traficado "corpos e almas de homens' (verso 13). Esse repúdio em tratar humanos como mercadorias assume a doutrina da imagem de Deus em todos os seres humanos.

Paulo, juntamente com Pedro, não iniciou uma revolta para erradicar a escravidão em Roma. Por um lado, eles não queriam que as pessoas enxergassem a fé Cristã como oposta à ordem social e harmonia. Sendo assim, os escritores do Novo Testamento disseram aos Cristãos para fazer o que é certo. Mesmo se eles fossem maltratados, suas consciências estariam livres (1 Pedro 2:18-20). Sim, obrigações foram conferidas à estes escravos sem seu consentimento prévio. Portanto a caminhada cristã para estes primeiros Cristãos era complicada - muito diferente da situação de servidão voluntária da Lei Mosaica.

Uma revolta contra a escravidão faria um desserviço ao Evangelho - e constituiria uma ameaça direta à um estabelecimento Romano opressivo ("Senhores, libertem seus escravos"; ou, "Escravos, libertem suas cadeias.") Roma iria rapidamente aniquilar uma oposição flagrante com força letal e rápida. Desta maneira a admoestação de Pedro aos servos injustamente tratados implica um sofrimento tolerado sem retaliações. O sofrimento em si mesmo não é algo bom; mas a reação correta no meio do sofrimento é louvável.

Os primeiros Cristãos minaram a escravidão indiretamente, rejeitando muitas suposições Greco-Romanas sobre ela (Aristóteles, por exemplo) e reconhecendo o valor igual e intrínseco dos escravos. Uma vez que o Novo Testamento nivelou todas as distinções nos pés da Cruz, a fé Cristã -  sendo contra-cultural, revolucionária, e anti-status-quo - era particularmente atrativa aos escravos e classes menores. Desta maneira, como fermento, uma vida Cristã poderia ter um efeito gradual de fermentação na sociedade de tal maneira que instituições opressivas tais como a escravidão pudessem finalmente ser derribadas. Isto é, de fato, o que aconteceu por toda a Europa: a Escravidão foi abolida uma vez que as nações Europeias "Cristianizadas" claramente enxergaram que possuir outro ser humano era contrário à criação e à nova criação em Cristo. [5]

O Presidente Abraham Lincoln, que embora desprezasse a escravidão abordou-a de maneira astuta, usou essa estratégia incremental. Sendo um estudante excepcional da natureza humana, ele reconheceu que realidades políticas e reações previsíveis exigiam uma abordagem incrementada. A rota radical abolicionista de John Brown e William Lloyd Garrison iria (e de fato criou) simplesmente criar refreio social contra abolicionistas radicais e tornar a emancipação ainda mais difícil. [6]

Devolvendo Onésimo: Uma Volta à Hammurabi?

Paulo ao devolver Onésimo ao seu alegado dono Filemom estava dando um passo para trás moralmente? Isto não estava de acordo com o código de Hammurabi que insistia no retorno de escravos fugitivos aos seus senhores - algo proibido no Antigo Testamento (Deuteronômo 23:15-16)? Alguns dizem que Paulo estava lado a lado com Hammurabi contra o Antigo Testamento.

Ler uma epístola do Novo Testamento tal como Filemom é como ouvir apenas um lado de uma conversa por telefone. Nós apenas ouvimos a voz de Paulo, mas várias brechas existem, brechas que gostaríamos muito que fossem preenchidas. Qual era a relação de Paulo com Filemom ("querido amigo e companheiro" Filemom 1,17)? Qual era a dívida de Filemom para com Paulo? Como Onésimo havia transgredido contra Filemom (se é que ele realmente o fez)? [7]

Muitos intérpretes tomaram a liberdade de nos ajudar a preencher as lacunas. O resultado típico? Eles lêem mais do que está no texto. A hipótese mais comum de que Onésimo era um escravo fugitivo de Filemom é bem tardia, sendo traçada até o pai da igeja João Crisóstomo (347-407 D.C). Entretanto, genuínos desacordos eruditos existem sobre essa interpretação. A epístola não contém nenhum verbo de "fuga", como se Onésimo houvesse de repente desertado. E Paulo não mostra sinal algum de temer que Filemom fosse brutalmente ameaçar Onésimo se ele retornasse, como senhores Romanos tipicamente faziam quando capturavam seus escravos fugitivos.

Alguns plausivelmente sugeriram que Onésimo e Filemom eram irmãos Cristãos (talvez biológicos) distantes. [8] Paulo exortou Filemom a não receber Onésimo como um escravo (cujo status na sociedade Romana significava alienação e desonra); antes devia receber Onésimo como um irmão amado: "para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como Cristão." (Filemom 1:15,16, NVI, ênfase adicionada).

Note a linguagem similar em Gálatas 4:7: "Assim, você já não é mais escravo, mas filho; e por ser filho, Deus também o tornou herdeiro."(NVI, ênfase adicionada). Isto pode lançar mais luz sobre a interpretação da epístola de Filemom. Paulo queria ajudar a curar a ferida de maneira que Filemom recebesse Onésimo (não um escravo) de volta como um irmão amado no Senhor - não simplesmento como um irmão biológico. Ao fazer assim ele estaria seguindo o próprio exemplo de Deus ao receber-nos como filhos e filhas ao invés de como escravos.

Mesmo se Onésimo fosse um escravo, isto não significaria que ele era um fugitivo. Se um desacordo ou
mal-entendido houvesse ocorrido entre Onésimo e Filemom, e o primeiro houvesse procurado Paulo para intervir ou julgar a disputa, isto não tornaria Onésimo um fugitivo oficial. E dado o conhecimento de Paulo do caráter de Filemom e histórico de dedicação Cristã, a sugestão que a volta de Onésimo era o código de Hammurabi revisitado é infundada. Novamente, se Onésimo fosse realmente um escravo na casa de Filemom, a estratégia de Paulo era esta: ao invés de proibir a escravidão, imponha a irmandade. [9]

Em resumo, Jesus e os escritores do Novo Testamento se opuseram à opressão, mercadoria de escravos, e ao tratamento de humanos como mercadorias. Os primeiros Cristãos eram uma nova e revolucionária comunidade unida em Cristo - pessoas que transcendiam barreiras raciais, sociais e sexuais - que eventualmente levaram à abolição da escravatura na Europa alguns séculos mais tarde.


http://enrichmentjournal.ag.org/201104/201104_108_NT_slavery.cfm