segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Não temos "direito à felicidade" - C. S. Lewis



"Afinal de contas," disse Clare, "eles tinham direito à felicidade."

Estávamos discutindo algo que certa vez acontecera em nossa vizinhança. O Sr. A havia desertado a Sra. A e conseguira o divórcio para que pudesse se casar com a Sra. B., quem havia de igual maneira conseguido seu divórcio para casar com o Sr. A. E não havia dúvida alguma de que o Sr. A. e a Sra. B estavam realmente muito apaixonados um pelo outro. Se esse amor perdurasse, e nada de errado acontecesse com sua saúde ou sustento, eles poderiam razoavelmente esperar serem muito felizes. Estava igualmente claro que eles não estavam felizes com seus parceiros antigos. A Sra. B havia adorado seu esposo no começo. Mas então ele foi para a guerra. 

Foi como se ele tivesse perdido sua virilidade, e era sabido que ele tinha perdido seu emprego. A vida com ele não era mais o que a Sra. B havia barganhado. Pobre Sra. A., também. Ela havia perdido sua bela aparência - e toda sua vivacidade. Pode ser verdade, como alguns disseram, que ela foi consumida pelos filhos e pelo cuidado com seu marido através da longa doença que ofuscou o começo da sua vida de casada. Você não deve imaginar, por falar nisso, que o Sr A. era o tipo de homem que de maneira despreocupada joga uma esposa como o bagaço de uma laranja que já não lhe servia mais. O suicídio dela foi um choque terrível para ele. Todos nós sabíamos disso, pois assim ele nos disse. "Mas o que eu poderia fazer?" ele disse. "O homem tem o direito à felicidade. Eu tinha que agarrar minha chance quando ela veio." 

Eu fui embora pensando no conceito de "direito à felicidade." 

A princípio isso me soa tão estranho quanto ter direito à sorte. Pois eu acredito - não importando o que diferentes escolas morais possam dizer - que uma grande parte de nossa felicidade ou miséria depende de circunstâncias fora de todo controle humano. Um direito à felicidade, para mim, não faz muito mais sentido do que um direito à ter dois metros de altura, ou possuir um pai milionário, ou de ter tempo ensolarado toda vez que você quiser fazer um piquenique. 

Eu posso entender um direito como uma liberdade garantida à mim pelas leis da sociedade na qual eu vivo. Portanto, eu possuo o direito de viajar pelas estradas públicas uma vez que a sociedade me dá essa liberdade; isso é o que significa chamar as estradas de "públicas." Eu também posso entender um direito como uma reivindicação garantida à mim pelas pelas leis, e correlativa à obrigação da parte de um terceiro. Se eu possuo o direito de receber 100 reais de você, essa é outra maneira de dizer que você tem o dever de me pagar 100 reais. Se a lei permite que o Sr. A. deserte sua esposa e seduza a esposa de seu vizinho, então, por definição, o Sr. A. possui o direito legal de assim proceder, e nós não temos que trazer toda a conversa sobre "felicidade."

Mas obviamente não foi isso que a Claire quis dizer. Ela quis dizer que o direito que ela possuía não era apenas legal, mas também moral. Em outras palavras, a Claire é - ou seria se tivesse parado para pensar nisso - uma moralista clássica seguindo o estilo de Tomás de Aquuno, Grócio, Hooker e Locke. Ela acredita que atrás das leis do estado existe uma lei natural.

Eu concordo com ela, e mantenho que essa concepção é básica à toda civilização. Sem ele, as leis do estado se tornam absolutas, como em Hegel. Elas não podem ser criticadas uma vez que nos falta uma norma pela qual elas devem ser julgadas. 

O ancestral da máxima de Clare, "Eles possuem o direito à felicidade," é Augusto. Em palavras que são amadas por todos os homens civilizados, mas especialmente pelos Americanos, foi estabelecido que um dos direitos do homem é "a busca da felicidade." E agora nós chegamos ao ponto real.

Qual era o significado que os escritores daquela declaração queriam passar?

Está bastante certo o que eles não quiseram passar. Eles não quiseram dizer que o homem estava intitulado para perseguir a felicidade através de todo e qualquer meio - incluindo, digamos, assassinato, estupro, roubo, traição e fraude. Nenhuma sociedade poderia ser construída sobre tais bases.  

O significado era "perseguir a felicidade através de todos os meios legais"; isto é, através de todos os meios que a Lei da Natureza eternamente sanciona e que as leis da nação devem sancionar. 

Admitidamente isto parece a princípio reduzir a máxima à tautologia que o homem (em sua perseguição da felicidade) possuem o direito de fazer tudo aquilo que eles possuem o direito de fazer. Mas tautologias, quando enxergadas contra seu apropriado contexto histórico, não são sempre tautologias estéreis. 

A declaração é antes de tudo uma negação de todos os princípios políticos que por muito tempo governaram a Europa: Um desafio arremessado aos Impérios Russo e Austríaco, à Inglaterra antes do Ato de Reforma de 1832, à França Bourbon. Ela exige que quaisquer meios de buscar a felicidade sejam legais pois qualquer um deve ser legal para todos; que o "homem," não homens de uma determinada casta, classe, status ou religião, deveriam ser livres para usá-los. Em um século onde isto é desmentido por nação após nação, partido após partido, não a chamemos de uma tautologia estéril. 

Mas quanto à questão sobre quais meios são "legais" - sobre quais métodos são permissíveis pela Lei da Natureza ou se deveriam ser declarados legalmente permissíveis pela legislação de uma nação particular - permanece exatamente no mesmo lugar. E nesta questão eu discordo da Clare. Eu não penso que seja óbvio que as pessoas possuam o "direito à felicidade" ilimitado como ela sugere. 

Eu acredito que Clare, quando diz "felicidade," quer dizer simples e puramente "felicidade sexual." Em parte porque mulheres como Clare nunca usaram a palavra "felicidade" em qualquer outro sentido. Mas também porque eu nunca ouvi Clare falar sobre o "direito" a qualquer outra coisa. Ela era um tanto esquerdista em sua política, e teria se escandalizado se alguém defendesse as ações de um implacável milionário sobre a base de que sua felicidade consistia em ganhar dinheiro e ele estava apenas buscando sua felicidade. Ela era rigidamente abstêmia em relação ao álcool; eu nunca a ouvi desculpar um beberrão porque ele estava feliz quando bêbado. 

Clare, de fato, está fazendo o que aos meus olhos todo o mundo ocidental vem fazendo durante os últimos e estranhos quarenta anos. Quando eu era jovem, todas as pessoas progressivas estavam dizendo, "Porque todo esse puritanismo? Tratemos o sexo exatamente como tratamos todos os nossos impulsos." Eu era ingênuo o suficiente para acreditar que eles realmente queriam dizer aquilo. Eu desde então descobri que eles queriam dizer exatamente o oposto. Eles queriam dizer que o sexo deveria ser tratado como nenhum outro impulso na nossa natureza jamais havia sido tratado por pessoas civilizadas. Todos os outros, nós admitimos, devem ser freados. Obediência absoluta ao seu instinto de auto-preservação é o que nós chamamos de covardia; ao seu impulso aquisitivo, avareza. Até mesmo o sono deve ser combatido se você é um sentinela. Mas toda e qualquer falta de bondade e quebra de fé parece ser tolerada desde que o objeto desejado seja "quatro pernas nuas em uma cama."

É como ter uma moralidade onde roubar frutas é considerado errado - a menos que você roube nectarinas. 

E se você protesta contra essa visão geralmente encontra alguma tagarelice sobre a legitimidade e beleza e santidade do "sexo" e é acusado de abrigar algum desrespeitoso e vergonhoso preconceito Puritano. Eu nego a acusação. Vênus. Afrodite dourada. Eu jamais respirei uma palavra contra vós. Se eu contesto os garotos que roubam minhas nectarinas, devo eu desaprovar as nectarinas em geral? Ou até mesmo os garotos em geral? Pode ser que seja o roubo o que eu desaprovo.

A real situação é habilmente ocultada ao dizer que a questão do "direito" do Sr. A. em desertar sua esposa é um que pertence à "moralidade sexual." Roubar um pomar não é uma ofensa contra uma moralidade especial chamada "moralidade das frutas." É uma ofensa contra honestidade. A atitude do Sr. A é uma ofensa contra a boa fé (às promessas solenes), contra a gratidão (para alguém a quem ele estava profundamente endividado) e contra a humanidade comum. 

Nossos impulsos sexuais, portanto, estão sendo colocados em uma posição de privilégio absurdo. O motivo sexual é dito ser capaz de perdoar todos os tipos de comportamentos que, se tivessem qualquer outro fim como propósito, seriam condenados como impiedosos, traiçoeiros e injustos. 

Agora, embora eu não enxergue nenhuma razão legítima para conceder ao sexo este privilégio, eu penso que isto se deve à uma poderosa razão. Ela é esta.

É parte da natureza de uma poderosa paixão erótica - como distinta de um transitório arroubo de apetite, por exemplo - que ela faz promessas muito mais elevadas do que qualquer outra emoção. Sem dúvidas todos nossos desejos fazem promessas, mas não de maneira tão impressionante. Estar apaixonado envolve a quase irresistível convicção de que estaremos apaixonados para o resto de nossas vidas, e que a possessão do amado ou amada irá conferir, não apenas êxtases frequentes, mas uma estabelecida, frutífera, profundamente enraizada e eterna felicidade. Portanto todas as coisas parecem estar em jogo. Se perdermos essa chance teremos vivido em vão. O próprio pensamento de tal acontecimento nos lança nas mais insondáveis profundidades de auto-piedade. 

Infelizmente, frequentemente descobrimos que essas promessas são falsas. Todo adulto experimentado sabe que esse é um fato quando o assunto são todas as paixões eróticas (exceto aquela que ele está sentindo no momento). Nós relevamos as pretensões sem fim de nossos amigos deveras facilmente. Sabemos que certas coisas às vezes duram - e às vezes não. E quando elas de fato duram, isso não se deu porque eles prometeram fazê-lo no início. Quando duas pessoas alcançam felicidade duradoura, isso não se dá simplesmente porque eles são grandes amantes mas também porque - eu devo colocar de maneira crua  - são pessoas boas; controladas, fiéis, racionais e mutuamente adaptáveis. 

Se estabelecemos um "direito à felicidade (sexual)" que suplanta todas as regras ordinárias de comportamento, não o fazemos pelo que nossa paixão mostra na experiência, mas sim pelo que ela professa enquanto estamos no seu ápice. Portanto, enquanto o mal comportamento é real e cria misérias e degradação, a felicidade que era o objeto do comportamento se mostra vez após vez ilusória. Todas as pessoas (exceto Sr. A. e Sra. B.) sabem que o Sr. A. em um ano ou menos pode ter a mesma razão para desertar sua nova esposa como teve para desertar a antiga. Ele irá sentir novamente que todas as coisas estão em jogo. Ele se enxergará novamente como um grande amante, e sua auto-piedade irá excluir toda a piedade por sua mulher. 

Dois pontos permanecem.

Um é este. Uma sociedade na qual a infidelidade conjugal é tolerada deve sempre e por necessidade se tornar a longo prazo uma sociedade adversa à mulher. Mulheres, a despeito do que algumas músicas machistas e sátiras possam dizer são mais naturalmente monogâmicas do que os homens; é uma necessidade biológica. Onde a promiscuidade prevalece elas sempre serão com mais frequência as vítimas do que as culpadas. Ademais, felicidade doméstica é mais necessária a elas do que a nós. E a qualidade pela qual elas mais facilmente atraem e mantém um homem, sua beleza, diminui ano após ano após terem atingido a maturidade, mas isto não acontece com aquelas qualidades da personalidade - as mulheres não dão a mínima realmente para nossa aparência - pelas quais atraímos e mantemos as mulheres. Dessa maneira em uma implacável guerra de promiscuidade as mulheres possuem uma desvantagem dupla. Elas põem mais em jogo e têm menos chances de ganhar. Eu não tenho simpatia por moralistas que franzem suas sobrancelhas à cada vez maior crueza da provocatividade feminina. Estes sinais de desesperada competição me enchem de compaixão. 

Em segundo lugar, embora o "direito à felicidade" seja principalmente invocado em conexão ao impulso sexual, me parece impossível que o assunto devesse permanecer apenas aqui. O princípio fatal, uma vez permitido neste campo, deve cedo ou tarde infiltrar-se em todas as áreas de nossas vidas. Nós então avançaremos para um estado de sociedade onde não apenas cada homem mas também cada impulso em cada homem reivindica carte blanche*. E então, embora nossas habilidades tecnológicas possam nos ajudar a sobreviver um pouco mais, nossa civilização terá morrido no coração, e irá ser - ninguém nem mesmo ousa dizer "infelizmente" - varrida para sempre. 


*Carte Blanche - Expressão Francesa que possui o significado literal de "carta branca" tendo como definição mais próxima a de "possuir total e completa autoridade e liberdade para agir conforme sua vontade." 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Vamos acabar com esta folga - Stanislaw Ponte Preta

 O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

- Isso é comigo?

- Pode ser com você também - respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma trautilada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia ali dentro homem pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc, etc. Até que lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar como os outros:

- Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Gratidão eterna

Ao meu Deus, meu Senhor, meu Salvador.

Me sinto pequeno demais para Te adorar, indigno demais para Te amar. Seu perdão me reveste todos os dias, setenta vezes sete é o número, devo perdoar como o Senhor me perdoa. Não me permita sucumbir às minhas tentações, tão extensas e variadas, tão mortais quanto a morte. Proteja-me sob Tua sombra, a sombra do Onipotente, a sombra do Altíssimo. Te agradeço tanto por nunca virar ter virado as costas para mim! Por sempre ter se mostrado o que é, Deus, insondável, fiel, mais cuidadoso do que eu jamais conseguiria conceber. Te agradeço também por ser maior, muito maior do que minha imaginação, por quebrar todas as barreiras que minha mente poderia ter criado, por ser mais profundo, mais terrível, mais amoroso, mais justo, mais santo e mais criativo, além de tantos outros atributos. À fonte de toda a beleza eu rendo minhas débeis palavras, minha falha gratidão, minhas lágrimas. Gostaria de poder ser mais eloquente meu Deus! Gostaria de poder exaltar Seu nome da maneira mais bela possível, gostaria de poder imprimir através das palavras nas mentes e corações uma diminuta parte apenas do Senhor, talvez um pouquinho dos meus sentimentos, talvez um pouquinho do que o Senhor fez por mim.

Queria ser poeta para poetizar minha vida e através dessa poesia mostrar O Poeta maior.

Queria ser muitas coisas. A única coisa que não queria o Senhor me fez ser. E hoje sou Seu filho. E hoje sou feliz.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Niemeyer e reflexões patrióticas

De muitas barbaridades que já ouvi em minha vida uma delas merece atenção especial no dia de hoje.

Lembro-me de ouvi-la saindo da boca de uma aluna no curso de inglês no qual eu lecionava, barbaridade essa que até hoje ecoa em minha mente.

Estávamos no meio da aula quando perguntei porque ela queria aprender inglês. Após alguns momentos de silêncio nos quais sua mente estava obviamente maquinando uma resposta conclusiva à tal pergunta incrivelmente abrangente, sua boca se abriu e as palavras finalmente vieram: Ela queria ser uma jornalista e morar nos Estados Unidos. Automaticamente franzi minha testa de maneira quase imperceptível (ou não) em desaprovação involuntária, visto que a terra do Tio Sam não está no topo da minha lista de lugares para morar ou até mesmo visitar. Mas enfim. Fiquei imaginando o porque ela não poderia ser uma jornalista aqui no Brasil, e cometi a infâmia de lhe perguntar o porque. E o porquê veio.

"Ah, quero trabalhar lá fora porque acho que o povo daqui é meio... (momentos de hesitação) ah, sabe, meio.. (mente trabalhando, e reunindo coragem) meio burro."

Continuei olhando-a durante alguns segundos com a expressão mais desprovida de expressão possível. Uma avalanche de diferentes respostas me vieram à cabeça, uma verdadeira torrente de linhas de raciocínio e argumentos explodiram no meu cérebro. Imaginei por um momento qual seria a base lógica para tal afirmação, imaginei depois qual seria a relevância de tal fato, se ele fosse de fato um fato. Entrevi certa arrogância naquela declaração, arrogância que como toda arrogância é fruto da falta de conhecimento, da falta de experiência. Vi também a completa falta de amor à Pátria, não como um amor à bandeira ou um ideal que não existe, mas sim o amor àquelas coisas tão fundamentais, o amor às coisas que você conhece tão bem, o amor à terra que é uma extensão da sua casa, aos rostos conhecidos, aos sotaques acolhedores, aos cheiros conhecidos... Enfim, vi um monte de coisa, pensei um monte de coisa, e senti algumas coisas; e ainda estava olhando-a.

Não me lembro muito bem qual foi minha resposta, ela foi provavelmente atrapalhada por certa impaciência que se levantou após ouvir a resposta (e após o breve silêncio que se seguiu de minha parte). Esta impaciência pode ser justificada se entendermos que ela foi acumulada. Comecei a reparar em certa parcela da juventude um desprezo por tudo que é Brasileiro, principalmente nas áreas intelectuais e artísticas. A resposta de minha ex-aluna é o produto de uma visão completamente equivocada de nossa nação e sua cultura. É a visão que eu vejo entre muitos pseudo-intelectuais por nosso Brasil, e principalmente nas redes sociais. É uma visão que existe como um pressuposto, tão profundo que não é mais notado. Assim como não podemos ver as raízes de uma árvore, essa parcela da população não consegue enxergar nem mesmo o pressuposto, muito menos sua falsidade.

O pressuposto de que falo é a idéia - quase inconsciente - de que somos um povo inferior. E o dia 05 de Dezembro de 2012 tem algo a dizer sobre isso.

"Morre às 21:55 do dia de hoje o arquiteto Oscar Niemeyer."

Morre no dia 05 de Dezembro de 2012 um dos maiores expoentes da arquitetura moderna mundial. Assinou mais de 1000 projetos, dos quais pelo menos quinhentos saíram do papel. Pioneiro em diversas áreas da arquitetura, foi o responsável principal pela construção dos tão famosos prédios de Brasilia, entre outros diversos projetos ao redor do globo. Foi considerado o nono maior gênio vivo em uma pesquisa recente que listou os 100 maiores gênios da atualidade. Personalidade conhecida e admirada, Oscar Niemeyer com certeza é um dos mais eloquentes testemunhos da capacidade tupiniquim.

Minha intenção não é de maneira alguma santificar nosso caro arquiteto, minha intenção é trazer à memória dos Brasileiros que um Brasileiro (entre vários outros) mostrou que não precisamos compartilhar a visão que os gringos (levados pela grande mídia) têm de nós. Gostaria de deixar bem claro que o Brasileiro não é bom apenas em enganar os outros, fazer caipirinha e jogar futebol. Não somos apenas o carnaval e mulheres rebolando ou a selva e casa do Blanka. E acima e além de tudo, não somos uma nação de burros, enquanto a Europa e Estados Unidos são nações de pessoas inteligentes, cultas e profundas. Prova disso é que o Michel Teló ultrapassou a Adele durante um bom tempo nos hits mais tocados na Europa.

Mas enfim. Barbaridade por barbaridade fico com aquela que é pelo menos patriota. Naquele dia não consegui mudar a cabeça de minha aluna, e ela foi embora com a doce ilusão de que Nova York abriga melhores pessoas que aqui. Triste mesmo será quando ela chegar lá e descobrir que o vazio não estava em sua pátria, mas nela mesma.


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Sobre a falta de ter sobre o que escrever

Se não tiver sobre o que escrever escreva sobre a falta de ter sobre o que escrever. Mas isso é uma mentira. Não existe falta de assunto. Existe falta de vontade de procurar, ou falta de talento para procurar, ou talvez falta de disciplina para procurar. Mas sempre houve e sempre haverá assunto que seja digno de uma resenha, e pelo menos um louco disposto a lê-la. Essas são as duas grandes verdades de nosso mundo.

Ao escrever sobre a falta de ter sobre o que escrever, várias coisas me vêm à cabeça. A primeira coisa que me vem à cabeça é que eu tenho uma cabeça. A segunda coisa é que com essa cabeça eu posso pensar sobre o fato de ter uma cabeça. E aí já temos dois assuntos deveras interessantes e dignos de obras extensas que poderiam encher uma biblioteca inteira. Mas continuemos. Me vem à mente também  não apenas que eu posso pensar sobre, mas que eu posso também comunicar esses pensamentos à outras pessoas das mais variadas formas. Através da escrita, através da fala, através de uma pintura talvez, ou de uma música. E falando em pessoas, me lembro de que existem todos os tipos de pessoas, e me recordo da maravilhosa criatividade Daquele que é a fonte de toda luz - e de toda criatividade.

Deus criou pessoas, Deus criou raças, Deus criou seres que também criam, - e que têm cabeças.

Ora, ao pensar sobre a falta de assunto, penso sobre outra coisa que sempre pensei desde criança. Penso sobre nossa inabilidade em ficar sem pensar em nada. Nossa mente está sempre ativa; sempre pensando em algo, e de maneira meio bizarra, às vezes pensando em algo de maneira independente. Com certeza essa experiência já te atingiu. Você está lendo um livro. Seus olhos estão absorvendo as palavras. Seu cérebro está fazendo isso. Mas ao mesmo tempo que você absorve as palavras a sua mente está focada em outro assunto. Talvez sua namorada, ou futura namorada (isso acontece frequentemente comigo), talvez seu trabalho, talvez até mesmo outro livro. E seu cérebro também está fazendo isso. É quase como se fossem dois cérebros independentes, um que você controla (até certo ponto) e outro que você não controla em absoluto. Se você nunca pensou nisso, pense agora.

Mas ao falar dessa estranha dualidade um nome aparece na minha cabeça. Um nome atrelado à uma criatura estranha, expressão de todos os defeitos e desejos suprimidos de um nobre homem. Esta criatura se chama Mr. Hyde. O livro de Robert Louis Stevenson imprimiu em minha alma uma profunda compreensão e às vezes terror daquela parte escondida que todos nós temos, e que é de uma maneira muito mais clara e definida um fato no caso dos Cristãos. O apóstolo Paulo no livro de Romanos, capítulo 7, nos pinta um quadro deveras eloquente desta realidade, quadro que me recorda do quadro de Dorian Gray, outra expressão extremamente gráfica do pecado que habita em nossos corações. De fato a literatura sempre teve um peso muito grande em minha vida, e frequentemente me pego pensando nisso.

De Dúmas a Lutero, de Chesterton a Calvino, de Lewis a John Milton, e de John Milton a J. R. R. Tolkien; as palavras impressas no papel, os pensamentos, desejos, devaneios, argumentos, paixão e fantasia que são transportados de uma cabeça à um pedaço de papel sempre me fascinaram. Posso dizer sem sombra de dúvida que a eloquência de uma determinada descrição sobre um determinado fato ou ação podem te impelir a fazer ou deixar de fazer muita coisa. Foram as palavras de G. K. Chesterton impressas em um papel que impulsionaram Mahatma Gandhi e toda a revolução que o seguiu. Foram as palavras de Martinho Lutero lidas por um pastor que despertaram a incrível alma e espírito de John Wesley.

As palavras são um veículo, elas transportam idéias. E idéias transformam pessoas. E pessoas transformam o mundo.

Então quando paro para pensar, penso o quão é ridícula a noção de que não há coisas para se pensar, e consequentemente, para escrever. E aí continuarei escrevendo, mesmo que seja sobre a falta de ter sobre o que escrever - e pensar.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Pérolas de Sabedoria - Mark Twain


"Um escritor deve fazer duas coisas mais do que todas as outras; ler e escrever."

Torcidas organizadas e a Evolução das Espécies

Charles Darwin foi o defensor mais ilustre e sistematizador da teoria da Evolução ou Seleção Natural, que entre várias coisas afirma que o homem é apenas um produto de seu meio, que a vida surgiu espontaneamente em formas extremamente simples e através de processos cegos de sobrevivência e adaptação atingiu o ponto em que estamos. Primeiro a ameba, e então o Homem. O ápice (até o momento) da evolução.

De todo o vasto horizonte de argumentos filosóficos e científicos que vão contra essa teoria, gostaria de ressaltar neste breve texto um fato que parece ter passado despercebido de toda a comunidade intelectual. É bem verdade que os fatos mais óbvios e extensos são os mais difíceis de serem explicados e apontados, assim como seria muito difícil explicar o céu, ou o amor. Portanto de antemão peço desculpas se a minha inabilidade atrapalhar em demasia meu texto. 

Este fato escondido me veio à cabeça ontem, como uma luz que irrompe na escuridão, quando estava saindo da padaria. Ao cruzar a porta de saída do recinto, meus olhos caíram em um grupo de pessoas, grupo este no mínimo peculiar. Sozinho este ajuntamento de seres constitui uma prova inequívoca do equívoco Darwiniano. Todos os integrantes estavam vestidos de preto, e se identificavam com o símbolo de um galináceo. Eles se comunicavam em um dialeto paralelo, bebiam como bárbaros e riam como loucos. Este grupo de religiosos estava reunido pois ontem a sua divindade se apresentaria em carne e osso. A encarnação ocorre semanalmente, e os devotos estão sempre lá, prontos a adorá-la. Enquanto o Deus Cristão é uma Trindade, a divindade adorada por esse grupo é dividida em 11 partes, sem qualquer alteração na substância. Sendo adoradores, estão dispostos a usar a força para rechaçar grupos que adoram outras divindades, como porcos, peixes e até São Pedro. São um grupo extenso, e fiel. Na verdade, fiel é uma parte de seu nome. Darwin não teria tido a audácia de chamar o homem de evoluído se tivesse conhecido o grupo chamado Gaviões da Fiel

De fato não pretendo ser injusto. Uso a Gaviões da Fiel como referência pois foi com eles que esbarrei ontem. Mas também poderia usar a Mancha Verde, ou a Independente, ou qualquer outra denominação destes grupos chamados de torcidas organizadas.

Recentemente tive o desprazer de ouvir a história de um homem que terminou o noivado pela razão mais estapafúrdia imaginável. Ele queria viajar para o Japão afim de ver o Corinthians. Sua noiva se opôs, visto que eles estavam perto de casar e esse momento seria terrível para isso. Este rapaz então, dando provas de sua evolução resolveu terminar o relacionamento, e cancelar todo o casamento. Mas não apenas isso, ele aparentemente deu uma entrevista mostrando todo seu orgulho, e batendo no peito com um zelo de dar inveja à qualquer "fanático" religioso. 

Este é apenas um exemplo que calhou de cair na mídia, devemos ter muitos outros, e ainda piores. Minha crítica não se aplica à todos que gostam de futebol, ou esportes em geral. Hoje sei que todos nós precisamos de uma distração, de uma diversão. Eu tenho as minhas, outros têm as deles. E futebol é indiscutivelmente uma preferência nacional. Minha crítica é muito bem definida, e possui um alvo cuja silhueta está claramente recortada contra o fundo de pano da sociedade. 

Enquanto estava escrevendo este texto jornais publicaram o tumulto causado pela Gaviões no Aeroporto de Guarulhos durante o embarque do Corinthians para o Japão. E então a mesma cena patética se repete. Brigas, discussões, vandalismo, Polícia acionada. Seguem-se marmanjos com a cara no chão, bombas de efeito moral, sangue, e violência gratuita e estúpida. Eu tenho sérias dificuldades em entender como alguém sai de casa para presenciar uma cena ridícula dessas. Como alguém pode sair à procura de apanhar como um anônimo em prol de causa alguma. Como milhares de pessoas derramam seu sangue por um time de futebol, e declaram amor à uma bandeira de um clube. Não tenho o mínimo respeito por pessoas assim. Todo esse amor e zelo dedicados à uma causa estúpida fazem muita falta na família, no trabalho, ou em atividades que realmente são importantes. Aquele senhor que foi citado anteriormente amava o Corinthians muito mais que sua futura esposa. A pergunta é: O Corinthians o ama de volta? O Corinthians o completa? O Corinthians o ajuda na doença, o faz rir, explica sua existência? O que o Corinthians faz por ele? E a resposta é tão clara quanto terrível. O Corinthians proporciona entretenimento.

A moral da história é: Essas pessoas colocam o entretenimento como o propósito máximo de suas vidas. Elas vivem para ser entretidas. 

E então imagino Darwin aqui, lendo esse texto, e pensando se o homem realmente evoluiu. Acho que ele pensaria duas vezes. Essas pessoas são a marca mais clara da involução humana. A natureza faz um facepalm quando as vê. 


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Coisa de filme

Estou escrevendo esse texto de madrugada, horário que raramente estou de pé. São Paulo está dormindo, mas seu sono não é tranquilo. Quase posso sentir a tensão, é algo que se espalha no ar, que nos segue em todos os cômodos, se infiltra em todos os pensamentos, retira a concentração, torna o sorriso difícil, o sono pesado. São Paulo dorme com um olho aberto.

A violência já é íntima dos paulistanos, conhecida de longa data, que entra na casa de muitos sem bater na porta e se instala na televisão, na internet, e até mesmo no rádio. Conhecemos bem a violência; convivemos com ela, crescemos com ela. Quem já não enfrentou ou pelo menos presenciou um assalto? Se escapamos de ver a violência ao vivo os meios de comunicação rapidamente se encarregam de corrigir isso. Então temos verdadeiros fanfarrões / imbecis como o Datena fazendo sucesso na televisão, um tipo de Sônia Abrão do crime, com um sensacionalismo e falso moralismo que chegam a embrulhar o estômago. Claro que a mídia tem seu papel, que é transmitir fatos, e a violência infelizmente permanece um fato fixo, mas a falsidade e sensacionalismo desses programas é de dar nojo, literalmente. São abutres, parasitas que sobrevivem (e muito bem) discorrendo sobre a desgraça alheia, na maioria das vezes, de pessoas extremamente pobres e suscetíveis ao engano, pessoas que dão entrevistas e são "obrigadas" a narrar detalhe por detalhe seu sofrimento, para que o povo em casa possa alimentar sua ânsia por desgraças e tragédias.

Um poeta certa vez disse que a casa de um homem é seu castelo, sua fortaleza. Agora mais do que nunca gostaria que a simples retórica se tornasse literal, gostaria que a minha casa fosse realmente uma fortaleza. Mas ela não é. Ela é uma casa comum, e lá fora existem homens que "correm para derramar sangue inocente," como relatou Isaías tanto tempo atrás.

Nesse ínterim as línguas não descansam, e variadas explicações são dadas. Das mais simplistas (todos os policiais executados eram corruptos e tinham ligação com o tráfico), até algumas mais elaboradas (o PCC na verdade cobra dívidas não pagas na forma de execuções de policiais), mas não importando qual seja a explicação dada, um fato terrível e solene permanece. O Primeiro Comando da Capital exerce um poder terrível, e mesmo se esse poder for em grande parte apenas um exagero da mídia (o que não parece de maneira alguma ser o caso) ele ainda permanece um poder terrível em nossas mentes e corações. O poder ideológico desse grupo é enorme. De acordo com uma reportagem da Folha de São Paulo o início do grupo se deu no dia 31 de agosto de 1993, a partir da reunião de 8 presos que tinham como objetivos principais "combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e também "vingar a morte dos 111 presos" que perderam a vida no famoso episódio do massacre do Carandiru. O antropólogo Adalton Marques nos dá uma visão geral da ideologia do grupo:

"Entendo que o papel do PCC, nos dias de hoje, está intimamente ligado à manutenção do que compreendem por "Paz", "Justiça", "Liberdade" e "Igualdade." As forças despendidas para assegurar esses valores passam pela efetuação de duas políticas centrais. A primeira consiste em esforços para estabelecer a "paz entre os ladrões", a "união do crime", acabar com a matança que tinha lugar no "mundo do crime", fazer com que os "ladrões" sejam "de igual". A segunda se divide em duas frentes: 1) "bater de frente com os polícia"- categoria que abarca policiais, agentes prisionais, diretores e outros operadores do Estado - a fim de protestar contra a situação imposta aos presos, considerada "injusta" por eles; 2) "quebrar cadeia", manter ativa a "disposição"("apetite") para fugir, enfim, cultivar a vontade de "liberdade."

Aposto que ao ouvir a palavra PCC poucos imaginariam que seu lema é "Paz, Justiça, Liberdade e Igualdade." Mas esse disparate serve para ilustrar um ponto muito importante. O irônico de toda a situação é que de fato esses princípios são aplicados, mas são aplicados à apenas uma parcela da população, aplicados à uma classe específica em detrimento do resto da sociedade - e quando isto acontece - todo seu significado se perde e a virtude se torna o pior vício. Os deuses gregos quando isolados se tornavam demônios, o mesmo se dá com as virtudes. É sobremaneira fantástico observar como um grupo deste pode ter tal lema. Vários jornais há algumas semanas publicaram a notícia de que uma lista com 40 nomes - e um nível de detalhamento assombroso - foi encontrada durante uma operação na favela de Paraisópolis. Essa lista negra continha informações sobre os alvos do grupo, - todos policiais. Para cada "irmão" morto, dois policiais devem morrer. "O motivo da ordem seriam as 'execuções covardes' de criminosos supostamente cometidas por policiais militares," diz-nos o Estadão.

E no meio de tudo isso a população tentando viver sua vida.

Coisa de filme não? Ver um grupo rebelde tão bem organizado e estruturado, um governo corrupto, decadente e impotente, uma população alheia à tudo, um caos completo. Não precisamos dos problemas mundiais para ocupar nossas mentes no momento, o mais assustador está no nosso quintal.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O provável começo de uma história, ou não.

É senso comum que coisas extraordinárias acontecem em locais extraordinários. É no País das Maravilhas que a Alice encontra um coelho branco falante e um gato que flutua e desaparece. É na Terra de Oz que Dorothy faz amizade com um espantalho sem cérebro, um homem de lata sem coração e um leão covarde. O extraordinário chama o extraordinário, em uma terra mágica tudo é mágico. Mas aqueles com um pouquinho mais de bom senso sabem que o bom senso nem sempre é bom, e muito menos que está certo. Nossa história começa em um lugar comum, talvez até comum demais, com pessoas comuns, até comuns demais.

Pedro era um rapaz de 14 anos, e estava na fase que os psicólogos gostam de chamar de "pré-adolescência;" essa fase de mudanças em que de um minuto para o outro sua voz afina e desafina e odores um tanto desagradáveis surgem abaixo de seus braços, também conhecida como axila. Pedro não tinha vivido nada de excepcional até então, sua vida se resumia em ir à a escola, voltar da escola, e então ficar no seu quarto lendo, ou desenhando, ou ainda imaginando terras estranhas com criaturas estranhas, uma vez que era muito mais fácil lidar com elas do que lidar com as criaturas ainda mais estranhas que povoavam sua casa. Sua família tinha quatro membros, contando com ele mesmo. Eram eles seu pai; Armando, sua mãe; Vívian, e sua irmã mais nova, Clarice. Seus pais eram tudo aquilo que pode ser considerado como típico. Armando era um homem de mais ou menos cinquenta anos, rechonchudo, com o rosto rosado que mostra uma predileção por um bom churrasco, e uma barriga que mostrava afinidade com cerveja. Suas feições alegres se tornavam ainda mais prosaicas com o extenso bigode que cobria todo seu lábio superior e ainda se aventurava a desbravar as distantes terras do lábio inferior. Era calvo e estava sempre com um suspensório, marca registrada que ele considerava respeitosa. Vívian, sua mãe, era a dona de casa perfeita. Estava sempre com um coque, hábito que outras pessoas consideravam como uma marca distinta de sua eminente praticidade,  e ao contrário de seu marido era esguia, tendo um pescoço largo e uma postura impecável. Tinha marcas de expressão que mostravam constante preocupação com os filhos e a família, e era uma excelente cozinheira, como os vizinhos e parentes estavam sempre lembrando em cada visita feita. Já a Clarice representava o modelo de irmã mais nova mandona. Era três anos mais nova do que Pedro, e agia como se fosse dez anos mais velha do que sua própria mãe; característica que irritava Pedro profundamente. Opinava em tudo, desde a cor da nova cortina da cozinha até o parcelamento da hipoteca da casa, e fazia tudo isso com tal segurança que era fácil esquecer que tinha apenas 11 anos. Era alta e esguia como a mãe, e tinha ares de aristocrata. Os três juntos formavam uma família que não era má para Pedro, o problema não era falta de atenção, mas sim falta de compreensão.

Mas não era apenas a família de Pedro que sofria com a doença da falta de compreensão, mas sim, - ao que parecia - o mundo inteiro. Desde muito novo algo incomodava Pedro, algo que ele não sabia definir, algo que não estava na superfície de seus pensamentos e sentimentos, mas estava sempre lá, no fundo, guiando cada decisão, influenciando cada passo. Escondido entre os cantos do cotidiano, um desejo fortíssimo estava vivo. Talvez você já tenha sentido isto e possa entender Pedro um pouco melhor. É um sentimento que toma conta de você em algum momento específico, e que pode ser "ativado" (essa é a palavra que ele sempre usava) por diferentes coisas; para alguns pode ser uma música, uma pintura, ou deitar na grama. Para outros pode ser um filme, o sorriso de alguém, ou segurar a mão daquela pessoa especial. É um sentimento difícil de definir exatamente, mas que poderia ser descrito como uma vontade de ser completo. Esse sentimento vinha até Pedro através da leitura, dos desenhos, e de suas próprias divagações mentais (que eram constantes).

Acho que nesse ponto seria interessante falar mais um pouquinho do herói de nossa história; Pedro. Enquanto sua família era prática, e seus pais não tinham tempo para besteiras como por exemplo uma vontade de ser completo, mas sim com coisas mais concretas como qual faculdade e pós-graduação Pedro iria fazer, ou como ele iria conseguir entrar no curso de Direito, ou Medicina e finalmente poder ter uma vida "bem-sucedida," Pedro era talvez avoado demais. Alguns diriam preguiçoso, mas não acho que fosse esse o caso. Ele não parecia se preocupar tanto com seu futuro, mas tinha uma estranha tendência de dar muita importância para o presente. Estava quase que constantemente focado, só que seu foco não parecia ser nada nesse mundo. Era um rapaz magro, com uma cabeleira negra e olhos lânguidos. Sua expressão mostrava uma inteligência quase displicente, e sua postura corporal revelava o hábito de alguém que passa muito tempo curvado lendo (ou desenhando). Apesar desse quadro inicial, imaginar que ele era alguém melancólico, ou um rapaz isolado ou alvo de constante bullying é bem falso. Não tinha realmente problemas em se comportar, mas tinha sérios problemas em realmente ficar íntimo de alguém, e isso às vezes o incomodava, mas para ser bem sincero com vocês, não tanto quanto imaginam. Considerava-se alguém de caráter nobre, uma vez que nunca tinha feito nada de "realmente" errado, como xingar sua mãe ou roubar um banco. Por toda sua infância ele sempre sentira que tinha algo de "estranho," ou pelo menos diferente. Tinha pavor quando pensava em si mesmo com um terno e uma pasta debaixo do braço em um grande escritório, e não sabia realmente porque. Sentia-se por vezes sufocado por tudo que o rodeava, e imaginava que deveria existir algo mais além de tudo isso. Mas era apenas uma criança, como seus pais constantemente diziam; "E quando amadurecer e tiver que trabalhar e estudar tudo isso será esquecido." Bem, pelo menos até agora o que estava acontecendo era o exato inverso. Na medida em que ele crescia e amadurecia, o sentimento também crescia e amadurecia. A complexidade que sua personalidade adquiria servia apenas para aumentar a complexidade do sentimento em si. Era parte dele, e não seria de maneira alguma erradicado com simples educação ou "amadurecimento." Disso ele estava certo. Quanto mais ele conhecia o mundo e à si mesmo, mais ele julgava e enxergava ambos à luz desse sentimento. Como o sol, Pedro não conseguia olhar diretamente pra ele, mas através da sua luz podia enxergar todo o resto. Sendo assim, no ponto em que nossa história começa, Pedro era um rapaz comum com um sentimento deveras incomum.

Revisão do texto: Victor Martins de Souza

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Os deuses-guia do Brasil

E quando a corrupção dos políticos atingir seu auge, quando a violência se tornar companheira íntima de todos os cidadãos, quando a ética e a moral forem completamente jogadas de lado, e Deus for considerado uma ilusão de mentes primitivas.. que o futebol e Neymar possam continuar a ser os faróis que guiam nossa nação.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Sobre a Mitologia dos Cientistas - G. K. Chesterton




O que eu me aventuro a criticar em certos homens, os quais são chamados de cientistas por alguns e de materialistas por mim, é o seu uso perpétuo da Mitologia. Uma metade do que eles dizem é tão verdade que chega a ser banal; a outra metade é tão inverdade que chega a ser transparente. Mas eles cobrem ambas suas banalidades e pretensões através de um elaborado desfile de imagens alegóricas e lendárias. Eu li isto em um comentário sobre Darwinismo de um dos últimos Darwinianos sobreviventes: 'Entre os indivíduos de todas as espécies acontece, como Malthus havia percebido, uma competição ou luta pela vida, e a Natureza seleciona os indivíduos que variam na direção mais bem-sucedida.' Agora, quando os homens das religiões antigas disseram que Deus escolhera um povo ou levantara um profeta, pelo menos eles queriam dizer algo com isso; e eles queriam realmente dizer o que disseram. Eles quiseram dizer que um ser como uma mente e vontade usou tais faculdades em uma ação de seleção. Mas quem é a Natureza, e como ela, ou ele, ou isso, é capaz de selecionar qualquer coisa? Tudo que o escritor realmente tem a dizer é que alguns indivíduos de fato sobrevivem enquanto outros são extintos. Dificilmente precisaríamos de Darwin ou Darwinianos para nos dizer isso. Mas a Natureza escolher aqueles que variam na direção mais bem-sucedida não significa nada em absoluto, exceto que os bem-sucedidos foram bem-sucedidos. Mas esse truísmo tautológico é envolvido em nuvens de mitologia, pela introdução de um ser mítico que até mesmo o escritor considera como um mito. O leitor deve ser impressionado e iludido pela visão de uma vasta deusa de pedra sentada em um trono sobre uma montanha, e apontando para um sapo ou coelho e dizendo, com voz de trovão, que apenas este deve sobreviver. Tudo que sabemos é que ele de fato sobrevive (pelo momento), e então nos orgulhamos da capacidade de repetir o simples fato de que ele sobrevive em cinquenta expressões variadas e floridas; ou que foi naturalmente selecionada para a sobrevivência; ou que ele sobrevive pois é o mais adequado para a sobrevivência; ou que a grande lei dos mais fortes da Natureza severamente o ordena a sobreviver. Os críticos da religião costumavam dizer que os mistérios da mesma eram pantominas; mas estas coisas são de fato pantominas em um sentido muito especial e real. Elas são coisas oferecidas à congregação crédula por sacerdotes que sabem que elas são pantominas. É impossível provar que os sacerdotes sabem que não existe um deus no santuário, ou verdade no oráculo. Mas nós sabemos que os materialistas sabem que não existe tal coisa como uma larga e fastidiosa dama, chamada Natureza, que aponta o dedo para um sapo.

O caso particular no qual essa metáfora mitológica foi usada é claramente outro assunto. Ele é, de fato, um assunto que tem envolvido em várias ocasiões uma grande parte desse elemento da mitologia materialista. Para enxergar qual verdade ele realmente embarca precisaríamos voltar ao antigo debate Darwiniano; coisa que eu não tenho a mínima intenção de fazer aqui. Mas eu posso observar, de passagem, que essa noção da Natureza selecionando coisas é especialmente incompatível com tudo que pode realmente ser dito em seu próprio favor; e que o próprio nome da seleção natural é um nome extremamente anti-natural para todo o processo. Pois a base de tudo que eles defendem é que tudo aconteceu, no sentido ordinário e humano, por acidente. Nós deveríamos antes chamar de coincidência; e alguns de nós chamam de uma deveras incrível coincidência. Mas, de qualquer maneira, o caso é que um quadrúpede calhou de ter um pescoço mais longo, e viveu em um momento onde era necessário alcançar uma árvore mais alta. Se esses acontecimentos calham de acontecer cem vezes em sucessão, exatamente da mesma maneira, você pode através desse processo transformar algum tipo de ovelha em uma girafa. Se isto é provável ou não é outra questão. Mas toda a questão Darwiniana, e de fato o argumento Darwiniano é que este não é um caso de seleção Natural assim como não é de seleção Divina, ou seleção de qualquer outra coisa, mas sim um caso onde as coisas simplesmente aconteceram dessa maneira. Nós estamos de fato prontos a discutir árvores e girafas em seu lugar devido, sem referências perpétuas a Deus. Será que os materialistas não poderiam controlar seu sentimentalismo romântico e retórico para que também pudessem falar dessas coisas sem referências perpétuas à Natureza? Façamos uma barganha: deixemos nossa teologia por um momento se eles deixarem sua mitologia?

Mas o hábito mitológico não está inteiramente e exclusivamente confiando aos homens da ciência, ou até mesmo aos materialistas. Esse tipo de mitologia está antes disseminado sobre todo o mundo moderno. A forma popular do mitológico é o metafórico. Certas figuras de linguagem estão fixas na mente moderna, exatamente como as fábulas dos deuses e das ninfas estavam fixas na mente da antiguidade pagã. É surpreendente observar quão frequentemente, quando abordamos um homem com qualquer coisa que se assemelhe à uma idéia, ele responde com alguma metáfora reconhecida que deveria ser apropriada ao caso. Se você lhe diz, 'Eu prefiro o princípio do Grêmio ao princípio da Confiança,' ele não irá responder falando sobre princípios. Ele pode dizer, 'Você não pode voltar o relógio.' com toda a regularidade de um relógio. Este é um exemplo deveras extremo do colapso mental que recai em metáforas. Pois o homem está de fato subestimando seu próprio argumento por puro amor à metáfora. Pode ser impossível voltar no tempo, mas não é impossível fazer o relógio voltar no tempo. Ele estaria em uma posição melhor se falasse sobre a abstração chamada tempo; mas um apetite devorador por linguagem figurativa o força a falar sobre relógios. É claro, a questão real não tem nada a ver com relógios ou tempo. É a questão se certos princípios abstratos, os quais podem ou não ter sido observados no passado, deveriam ser observados no futuro. Mas o ponto é que aqui até mesmo o homem que diz que não podemos reconstruir o passado pode dificilmente reconstruir sua própria sentença em qualquer outra forma exceto essa forma figurativa. Sem seu mito, ou sua metáfora, ele está perdido. 

Outra massa de metáforas é vista no fenômeno da manhã, ou o fato de que o sol nasce; ou, então (eu rastejo em desculpas aos homens da ciência), que parece nascer. É uma metáfora perfeitamente natural para poetas; ou, de fato, para todos os homens, naquele aspecto em que todos os homens são místicos. Que existe um mistério nessas coisas naturais, que a imaginação entende mais sutilmente que a razão, é bem verdade. Nem possuo também qualquer contentamento mesmo com a mitologia sendo considerada como mitologia. Mas quando queremos saber o que alguém quer fazer, quando perguntamos à um pensador-livre o que ele pensa, e porque ele pensa dessa maneira, é um pouco cansativo ouvir que ele está esperando pelo Amanhecer, ou ocupado no momento cantando canções antes do Sol Nascer. Alguém pode se sentir tentado a replicar que o amanhecer não é sempre uma coisa alegre, até mesmo para aqueles que exercitaram seu pensamento livre sobre as tradições convencionais de sua própria sociedade. Existe algo como ser baleado no Amanhecer. 

Eu não quero dizer nem mesmo por um momento que deveríamos parar com as metáforas e os mitos em absoluto. Eu constantemente as uso, e continuarei a fazê-lo. Mas eu penso que deveríamos ficar em guarda quanto a usá-las como substitutos para a razão. Talvez seria interessante termos um Dia de Jejum, no qual empreenderemos uma abstinência de termos abstratos. Concordemos que toda sexta feira devemos ficar sem metáforas como ficamos sem carne. Eu tenho certeza que seria bom para a digestão intelectual. 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Uma defesa da Hombridade

Em 1901 G. K. Chesterton, o grande autor Britânico, amplamente esquecido em nossos dias, todavia conhecido de todos aqueles que me conhecem (através de um processo de citações compulsivas que me assola) escreveu uma série de ensaios onde defendeu vários temas "controversos" sempre com seu estilo único e incisivo. Essa série de ensaios foi mais tarde compilada em um livro chamado "The Defendant," (em português, "O Defensor.") Trago esse fato à lembrança para que ninguém me acuse de plágio. Antes que alguém faça isso, eu mesmo o farei com todo orgulho.

Esses ensaios foram escritos pois Chesterton acreditava que alguns assuntos haviam sido esquecidos e outros deturpados a tal ponto, que uma "defesa" dos mesmos se fez necessária. Cingiu então os lombos e fez o que sabia fazer de melhor, escrever.

Todas as épocas possuem suas forças e fraquezas, e mais importante, todas as épocas possuem tópicos que precisam ser reiterados, fatos esquecidos e verdades deturpadas, pois, segundo Lutero observou de maneira muito coerente, a humanidade se assemelha à um beberrão andando de cavalo, sempre caindo ou para a direita ou para a esquerda, sempre abraçando extremos e esquecendo-se do equilíbrio. Nossa época em particular, quando falamos do Ocidente, é uma época complicada. Somos a época da tirania do "politicamente correto" como diria Felipe Pondé, onde a verdade é sacrificada no altar do bem-estar e auto-estima, tanto nas áreas seculares quanto - infelizmente e tristemente - nas Igrejas; somos a cria das filosofias pós-modernistas, que relativizaram a moral, e que gritam junto com Nietzsche "Deus está morto," somos o que sobrou da moral Cristã trazida pelos evangelistas misturada com as idéias filosóficas e culturais, um caldeirão de idéias onde o que vale é aquilo que te faz "feliz," aquilo que te faz sentir "completo," e onde os direitos são mais defendidos do que nunca e os deveres jogados para escanteio. O resultado é uma geração de cegos que não enxergam os deveres no céu nem os direitos na terra.

Neste texto tomo a sobremaneira prepotente tarefa de defender algo que foi desesperadamente esquecido em nossa época. Mas essa tarefa se torna ainda mais difícil porque esse esquecimento não se deu de maneira completa, mas antes, ele aconteceu através de uma mistura de idéias, onde a definição do termo se perdeu entre mil definições diferentes. Antes de defender o termo em si, gostaria de defender outro fato.

Nossa existência sempre foi definida em termos de absolutos, herança essa oriunda do Cristianismo. As idéias de honra, coragem e virilidade tão vigorosamente defendidas por Nietzsche foram igualmente defendidas pelo Cristianismo, com a diferença de que o mesmo as manteve em seu devido lugar, e não as elevou acima de todas as outras. Cristo foi o mais viril dos homens, enfrentou a cruz sem pestanejar, enquanto Nietzsche morreu insano e ironicamente obcecado por certos versículos da Bíblia. O meu ponto é este: Existe um padrão de conduta que é intrinsecamente certo, correto, e justo. Rejeito qualquer conceito relativista que diz que alguns comportamentos são certos em uma época e não em outra, rejeito o conceito insano de que tudo que importa é nossa "felicidade," rejeito conceitos simplistas e ingênuos de que tudo que precisamos é "amor," segundo o profeta de nossa geração, o homem que cantou sobre um mundo sem posses enquanto vivia em uma mansão, John Lennon. Não. A realidade é mais complicada do que isso, o ser humano é mais complicado do que isso. O problema fundamental do ser humano é o próprio ser humano.

Acredito firmemente que existe um certo e errado definidos, fixos e eternos. E que venham as lanças e espadas e me julguem como herege entre a geração "onde o amor é declarado com a boca e o ódio é vivido de fato."

Agora volto ao meu ponto principal, não antes de esclarecer mais um ponto. Como você deve ter notado o título do texto é "Uma defesa da Hombridade." Pois bem, algo aqui precisa ser dito. Me sinto extremamente incapaz de até mesmo definir esse termo corretamente, muito menos de defendê-lo, mas aprendi que a vida ensina aqueles que estão dispostos a aprender, e isso é ainda muito mais claro no caso dos Cristãos. A minha atual incapacidade e limitação não devem me impedir de defender aquilo em que acredito. Estou aberto ao aprendizado, e espero poder atualizar este texto sempre que aprender algo e achar digno de ser posto aqui. Peço de antemão que perdoem meus erros e excessos, mas não peço perdão por defender aquilo que acredito, disso eu não posso me desculpar. Leia o texto com a consciência de que um jovem finito, inexperiente e acima de tudo pecador escreveu esse texto - sim - mas não negue as verdades encontradas aqui pois as mesmas são independentes de mim, são fixas, eternas, e mantidas por uma Palavra que não volta atrás.


Hombridade: Algumas Questões Preliminares


Descobri que a força de um texto não vem apenas de sua lucidez, qualidade argumentativa ou amplo conhecimento - não importando quão fundamentais essas características sejam - o texto é semelhante ao ser humano, o qual sem propósito ou paixão seria apenas uma máquina. Tal qual o propósito é na vida do ser humano o é na força de um texto, e este texto em especial possui um propósito muito poderoso. Todos temos a tendência de achar que alguns problemas só acontecem com as outras pessoas, e que jamais aconteceriam conosco ou com alguém próximo de nós. Também temos a tendência de apreender algumas verdades apenas intelectualmente, mas não de fato, até que aconteçam conosco. Pois bem, a mentira que é a primeira tendência se fez terrivelmente clara através do acontecimento da segunda tendência em minha vida. Meu pai agora enfrenta a época mais difícil de sua vida. Ele sempre foi um homem forte como um touro, tanto fisicamente quanto psicologicamente, sempre foi para mim uma fortaleza inexpugnável, refúgio seguro, alguém que sempre estaria de pé quando todo o mundo ruísse ao seu redor - em resumo - meu pai sempre foi a figura da Hombridade para mim. Todavia algo aconteceu, algo difícil de explicar e mais difícil ainda de ser visto e vivido por qualquer pessoa que tenha conhecido esse homem. 

Meu pai se encontra agora em um estado complicado, frágil, enfrentou lapsos de razão, devido à falta de sono e fraqueza física, o remorso por falhas passadas (sendo algumas dessas "aumentadas" pelo senso de responsabilidade oriunda da geração anterior e tão tristemente desprezado e esquecido na nossa) o paralisa no presente e cria fantasmas para o futuro. O homem que eu considerava invencível se encontra agora debilitado e tentando encontrar forças para reagir. A minha personalidade sem dúvidas é estranha, considero mais fácil encarar um problema se for capaz de colocá-lo em palavras, quase como se ele perdesse parte de seu poder ao ser colocado em um papel. Sinto como o controle sobre ele aumentasse à medida que sou capaz de analisá-lo e separar suas partes, entender como ele opera, e acima e além de tudo, compreender que ele também acontece com outras pessoas. A minha concepção do que é ser homem foi duramente atacada e posta à prova, pois o meu modelo máximo foi também atacado. Mas o aprendizado vem àqueles que estão dispostos à encontrá-lo e acima de tudo, aplicá-lo. Portanto eu possuo duas excelentes desculpas para escrever este texto, dois excelentes propósitos. A primeira é a minha necessidade de colocar em palavras o que sinto, colocar em palavras toda a situação, para que eu possa analisá-la friamente, e liberar meus sentimentos. A segunda razão é a defesa per se, a consciência de que o sentido de ser homem mudou radicalmente em nossa geração, e mudou para pior. 

O dicionário define "Hombridade" como "Aspecto Varonil, Corporatura, Nobreza de Cárater." Agora, todas essas palavras com certeza não soariam estranhas para os homens de duas gerações atrás, homens que com 21 anos de idade já tinham uma família para sustentar, e não tinham muito tempo para ócio e brincadeiras, muito menos video-game (se na época isso existisse).  Ser homem na época era algo muito sério e algo muito definido. Não existia tal coisa como bullying, ou uma lei que impede os pais de bater nos filhos. Disciplina era algo real e necessário, não uma expressão de tirania imposta pelos pais, como alguns psicólogos modernos parecem defender. Gordon Clark em seu "A Christian Philosophy of School" cita o autor John Dewey, que em 1922 já instilava a rebeldia da juventude contra os pais. Os pais têm "domesticado" a - segundo ele - "maravilhosa originalidade da criança." Agora, apenas uma coisa me vem à cabeça ao ler algo desse gênero. John Dewey nunca teve filhos, e se teve, quem cuidou deles foi apenas sua mulher. A irracionalidade de nossa época chegou ao ponto de dizer que a criança não deve ser reprimida em nenhum sentido, que todos os seus instintos e vontades são puros, porque não foram contaminados pela sociedade, essa entidade que parece ser a vilã de todos os problemas da humanidade. É claro que as crianças possuem muitas características fantásticas, mas elas não são perfeitas. Esses homens tão eruditos e cultos se perdem na vastidão de suas mentes e esquecem as verdades mais práticas e óbvias da vida. George Bernard Shaw em seu "Treatise on Parents and Children- What is a Child?" nos responde a pergunta "o que é uma criança?" Diz ele que a criança é "um experimento. Uma tentativa nova de produzir o homem justo tornado perfeito: isto é, de tornar a humanidade divina." Shaw acreditava na doutrina do super-homem pregada por Nietzsche, isto é, ele acreditava que a natureza através de processos cegos de tentativa iria um dia criar o homem divino. Quando enxergada sob esse ponto de vista é compreensível a conclusão à qual ele chega após: "E você irá viciar o experimento se fizer a mínima tentativa de abortá-lo em alguma fantasia própria: por exemplo, sua noção do que é um bom homem ou uma mulher feminina." Agora, o que é interessante nesse tipo de pensamento é que a perfeição nunca é definida por esses homens, eles nem mesmo arriscam. E eles estão dispostos a pregar que as crianças, criaturas ingênuas, indefesas  e pecadoras, não recebam qualquer tipo de recriminação ou disciplina, sob o pretexto de que talvez estejamos estragando uma criança que se tornaria um dia o homem divino.  Toda essa confusão nasce de uma confusão mais profunda e às vezes escondida. Esse tipo de pensamento é apenas a conclusão lógica do dogma humanista que diz que o ser humano é em sua essência bom, são apenas os outros seres humanos que o corrompem. Não vou me demorar nesse assunto, só gostaria que as pessoas que culpam a "sociedade," ao invés do indivíduo para tudo, me dissessem do que a sociedade é feita. E a resposta óbvia seria, "de vários indivíduos." O que torna esse argumento um tanto estranho, no mínimo.

Não, o ser humano não é bom em sua essência, ele é mal. Como Pascal disse, nós somos "deuses caídos," corrompidos em nossa própria essência. Novamente, não desejo me demorar nesse assunto, e meu foco não é defender essa doutrina. Meu foco é o seguinte; a falha em considerar o humano da maneira errada resulta na falha da criação, o que resulta na falha em criar homens justos, conscientes e honrosos. 

Mas o que seria um homem honroso? O que seria um homem justo? Seria ele perfeito como Bernard Shaw imaginava? Um produto da vontade cega da natureza? Será ele um produto de uma sociedade perfeita? O produto utópico de uma sociedade igualmente utópica? Pode a evolução criar ou muito menos explicar o que seria um "homem divino"? Daqui para frente defenderei o conceito de homem justo como mostrado na Bíblia contra alguns dos conceitos mais difundidos em nosso tempo. Hei de definir e defender essa definição, pois como Ravi Zacharia diz, "a verdade não é apenas uma questão de ofensiva, no sentido de fazer certas asserções. É também uma questão de defesa, no sentido de que ela deve ser capaz de fazer uma convincente e sensível resposta às objeções que são levantadas." A verdade é tanto positiva quanto negativa, positiva no sentido de definir o que é verdade, negativa no sentido de definir e defender o que não é verdade. Nos textos seguintes é isto que pretendo fazer. 



terça-feira, 16 de outubro de 2012

A Dualidade Cristã


"Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem."
Romanos 7:18


O capítulo sete do livro de Romanos é com certeza um dos capítulos mais fantásticos e importantes de toda a Bíblia. De fato, o livro de Romanos é apontado por muitos teólogos como o livro mais importante de todas as Escrituras Sagradas, visto que é nele que o Apóstolo Paulo condensa e sistematiza toda a doutrina Cristã. Capítulo por capítulo ele avança, inexoravelmente, apresentando e dispondo argumentos com uma lucidez e precisão raras vezes vista na história. 

Os quatro primeiros capítulos servem grosso modo para provar a culpabilidade de toda a humanidade (inclusive os Judeus) perante Deus. Tendo fornecido lógica e abundância de Escrituras do Antigo Testamento para calar tanto gentios como Judeus, ele avança e no final do quinto capítulo começa com a estupenda declaração: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo." Ele destrói a confiança dos gentios na sua moral, e a dos judeus na lei, argumentando que a Lei não veio para salvar - mas sim para mostrar, para tornar manifestos os pecados dos homens. No capítulo seis ele antecipa alguns erros, inclusive a pergunta: "Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde?" Volta então e diz que aquele que é um cristão genuíno crucificou seu antigo eu com Cristo na cruz, estamos "mortos para o pecado" para que não "sirvamos mais ao pecado". 

Agora chegamos ao ponto que eu desejo destacar com este breve texto. E ele é o seguinte; toda a argumentação disposta no capítulo seis, em especial o versículo dois: "Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?" poderia levar (e de fato o fez) a um erro fatal: O erro de pensar que uma vez que somos cristãos, nunca mais pecaremos. Ora, poucos cristãos diriam o contrário com os lábios, mas muitos abrigam essa idéia no coração. Muitos sabem de cor essa verdade tão antiga e clichê, tão óbvia que não precisa ser lembrada, tão clara que não precisa ser explicada. 

C. S. Lewis certa vez disse que os grandes mestres morais não ensinaram nada novo, mas apenas reiteraram antigas verdades. De semelhante maneira Chesterton disse que as palavras difíceis não são as complicadas, aquelas usadas por filósofos e que possuem 30 letras, mas sim as palavras curtas e inescapáveis; "Há muito mais sutileza metafísica na palavra 'condenar' do que na palavra 'degeneração'". O que se segue é uma verdade bastante interessante. Chamamos de "clichê" aquelas verdades incômodas, aquelas verdades que são óbvias, mas que ninguém segue. Quando uma pessoa comum diz: "Você deve seguir seus sonhos," consideramos essa verdade - quando saída da boca de uma pessoa comum - como sendo "clichê," mas a consideramos de maneira diferente quando alguém como, digamos, Steve Jobs, o deus moderno, diz algo assim. Porque? A resposta é óbvia. Porque ele de fato fez isso. Ele não apenas disse, mas fez. Não apenas defendeu, mas fez. O meu propósito aqui não é defender as questionáveis motivações desse homem, mas destacar uma verdade. E apenas uma. Nós temos a tendência de falar coisas da boca pra fora, temos a tendência, seja por osmose, seja por preguiça, seja por falta de caráter, por falta de personalidade própria, seja pelo que for, nós temos a tendência de dizer coisas que não sentimos e não seguimos. Essa é a tendência geral da humanidade. Essa é minha tendência, essa é sua tendência. E isso não muda (completamente) quando nos tornamos cristãos. 

Permita-me explicar melhor. Existem algumas verdades da fé Cristã que todos conhecem. Todos sabem por exemplo que Deus é amor. Mas existe uma diferença infinita entre "saber" no sentido de apreender o fato intelectualmente, isto é, de ser capaz de ligar os pontos, e na sua mente conceber a idéia de que Deus é amor, e realmente "saber" que Deus é amor no sentido de experiência pessoal, uma apreensão não apenas intelectual, mas empírica, quando você sente a verdade. Da mesma maneira que todos sabem que as mães amam seus filhos, mas você sabe, como mais ninguém, que a sua mãe de fato o ama. Novamente, não entro no mérito de definir o amor de Deus, não é esse meu propósito, e se o fosse levaria mais alguns anos vivendo e aprendendo antes de escrever algo assim. 

O ponto é; nós realmente sabemos que como cristãos vamos inevitavelmente pecar até o resto de nossas vidas? Nós sabemos disso? Acreditamos realmente nisso? Encaramos isso? "O maior teste de fé," diz Paul Washer, "não é ressuscitar os mortos ou cortar o mar vermelho, mas sim olhar no espelho da Palavra de Deus, olhar para nossas falhas, para nossos pecados, olhar para quem realmente somos, e ainda assim, acreditar que Ele nos ama como diz que ama." Ora, essa é uma verdade maravilhosa.! Cristo não veio salvar pessoas boas, Ele não veio "melhorar" as partes de você que já são "boas," Ele não está procurando pessoas morais, ou pessoas "respeitáveis," Ele não se importa se a sua família te respeita, se o seu chefe te respeita, se todos olham para você como um exemplo de moral e ética... Ele te conhece. Ele veio salvar aquela parte mais íntima, aquela parte da qual você foge, aqueles instintos reprimidos, escondidos... aquele egoísmo, aquela avareza que você tanto luta pra controlar... Aqueles instintos deturpados, desnivelados, aqueles pensamentos que são escondidos com tanta força, até de você mesmo. Ele te conhece. O Cristão é aquele que sabe que no fundo é como as feras, que toda a sociedade é um teatro de bestas, e que como Oscar Wilde disse, "A sinceridade total seria fatal." O Cristão é aquele que encara de frente o quadro do horror, como Dorian Gray encarou sua alma dentro daquela moldura magnífica, que encara fixamente seu interior, e aceita isto. Ele aceita que aquilo existe.

"Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum.." Essa frase não foi escrita por um político corrupto ou um traficante de drogas, ela não foi escrita por algum mercenário engravatado ou um estuprador. Não, ela foi escrita por um dos maiores santos de todos os tempos, o homem que tinha autoridade suficiente para dizer aos cristãos que o imitassem, assim como ele imitava Cristo. Mas esse mesmo santo foi o homem que ajudou a prender e matar vários Cristãos, o homem que estava presente quando o primeiro mártir, Estevão, foi morto, era zeloso na perseguição dos Cristãos, fariseu de nascimento, aparentemente o pior inimigo da fé Cristã. É esse o homem que escreve e relata essa dualidade, é esse o homem que diz o bem está nele, que ele quer fazer o bem, quer constantemente ser bom, não deseja errar, mas constante e invariavelmente erra. Existe outra lei que o arrasta, outra vontade que continua a assaltá-lo. E essa é uma batalha que continuaria, até o dia da morte, até o dia do "lucro". 

Diante disso, o que dizer? "Ó miserável homem que sou!" Mas ele não para aí, ele continua e nos dá o capítulo oito de Romanos, provavelmente um dos capítulos mais reconfortantes de toda a Bíblia. O "otimismo" Cristão é diferente, completamente diferente. "[Ele] está baseado no fato de que não nos encaixamos no mundo. Eu tinha tentado ser feliz ao continuar dizendo para mim mesmo que o homem é apenas mais um animal buscando seu sustento de Deus. Mas agora eu estava realmente feliz, pois eu havia aprendido que o homem é uma monstruosidade," diz Chesterton. Talvez você considere isso mórbido, talvez considere isso pessimista demais, um quadro negro demais. Mas leia atentamente o que C. S. Lewis diz: "A via cristã é diferente: é mais fácil e mais difícil. Cristo diz: "Quero tudo que é seu. Não quero uma parte do seu tempo, uma parte do seu dinheiro e uma parte do seu trabalho: quero você. Não vim para atormentar seu ser natural, vim para matá-lo. As meias-medidas não me bastam. Não quero cortar um ramo aqui e outro ali: quero abater a árvore inteira. Não quero raspar, revestir ou obturar o dente: quero arrancá-lo. Entregue-me todo o seu ser natural, não só os desejos que lhe parecem maus, mas também os que se afiguram inocentes - o aparato inteiro. Em lugar dele, dar-lhe-ei um ser novo. Na verdade, dar-lhe-ei a mim mesmo: o que é meu se tornará seu."

O cristão sabe que todo nosso ser é corrompido, mas também sabe que todo nosso ser é remido. Toda a existência está fundada sobre este paradoxo; que sem a desonra não existiria a honra, sem a infidelidade não existiria a fidelidade, sem o ódio não saberíamos o que é o amor. Existe um fato que nunca deve ser esquecido, e ele é este: O que constitui um Cristão não é a perfeição, mas a vontade de ser perfeito. Não são nossas obras que nos salvam, é a obra de Cristo. Não é nosso amor por Ele que nos mantém, mas sim o inverso. Nossa garantia está Naquele que nunca pecou, nunca titubeou, nunca falhou. Nossa esperança está na Rocha Eterna, imutável e Eterna. Essa é nossa glória e nossa esperança.


Soli Deo Gloria

Três Maneiras de Argumentar - G. K. Chesterton

"Existem três maneiras pelas quais uma declaração - especialmente uma declaração controversa - pode ser apresentada perante a humanidade. A primeira é declará-la por uma manifesta autoridade; isto é feito por deidades, pelos sacerdotes das deidades, oráculos, poetas menores, pais e guardiões, e homens que possuem uma "mensagem à sua época". A segunda maneira é provando-a pela razão; isto foi feito pelos escolásticos medievais, e por alguns dos primeiros e comparativamente esquecidos homens da ciência. Ela hoje foi deveras abandonada. O terceiro método é este: quando você não possui nem a coragem para afirmar uma coisa nem a capacidade para prová-la, você alude à mesma usando um estilo leve e arejado, como se outra pessoa já houvesse afirmado-a e provado-a. Portanto o primeiro método equivale à dizer, 'Porcos voam no céu; eu tive uma visão do céu, e você não.' O segundo método diz, 'Venha à minha pequena residência em Essex, e eu lhe mostrarei porcos voando como pássaros e construindo ninhos em olmos.' Ambas as posições exigem uma certa coragem para que sejam mantidas, e foram agora, portanto, quase que completamente largadas. O terceiro método, o qual é usualmente adotado, é dizer, 'O Professor Gubbins pertence à antiga escola do criticismo científico, e não pode deixar de nos chamar de limitados nessa época de telegrafia sem fio e suínos aéreos'; ou 'Sem dúvida nós deveríamos nos surpreender com as ações de nossos descendentes assim como um Antigo Inglês se surpreenderia ao ver um carro motorizado ou um porco voador, ou qualquer outra visão comum em nossas ruas.' Resumindo, este terceiro método consiste em aludir à própria coisa que está em disputa como se a mesma estivesse agora além de qualquer disputa. Este é conhecido como o método Contido ou Cavalheiresco; é usado por promotores de empresas, por professores de cabeleireiros e as outras artes progressistas, e especialmente por jornalistas como eu próprio."

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ensaio sobre Perdão - C. S. Lewis



Nós dizemos muitas coisas na igreja (e fora da igreja também) sem realmente pensar no que estamos dizendo. Por exemplo, nós dizemos no Credo "Eu acredito no perdão dos pecados." Eu disse isto por muitos anos antes de me perguntar a razão pela qual ele estava no Credo. À primeira vista parece que dificilmente valesse a pena ser incluído. "Se alguém é um Cristão," eu pensei "é claro que ele acredita no perdão dos pecados. Isso não precisa ser dito." Mas as pessoas que compilaram o Credo aparentemente pensaram que essa é uma parte de nossa crença que precisa ser relembrada todas as vezes que formos à igreja. E eu comecei a enxergar que, até onde eu sei, eles estavam certos. Acreditar no perdão dos pecados não é tão fácil quanto eu pensei. Confiança real neste fato é o tipo de coisa que facilmente nos escapa se não mantivermos atenção constante.

Nós acreditamos que Deus perdoa nossos pecados; mas também de que Ele não o fará se não perdoarmos os pecados das outras pessoas contra nós. Não há dúvidas sobre a segunda parte dessa declaração. Está na oração do Pai Nosso, foi enfaticamente declarado por Nosso Senhor. Se você não perdoar, o perdão não lhe será concedido. Sem exceções. Ele não diz que devemos perdoar os pecados das outras pessoas, contanto que eles não sejam tão terríveis, ou contanto que haja circunstâncias extenuantes, ou nada do gênero. Nós devemos perdoas todos, não importando quão vingativos, quão malignos, quão frequentes eles sejam. Se não o fizermos, de igual maneira nenhum pecado nosso será perdoado.

Agora, me parece que nós frequentemente cometemos um erro tanto sobre o perdão de Deus dos nossos pecados quanto o perdão que é exigido que conçedamos aos pecados das outras pessoas. Tomemos primeiramente o caso do perdão Divino. Eu percebo que quando estou pedindo a Deus que perdoe meus pecados eu estou na realidade (a menos que eu me vigie muito cautelosamente) pedindo à Ele algo de fato bastante diferente. Eu estou pedindo não que Ele me perdoe, mas sim que Ele me desculpe. Mas há toda a diferença do mundo entre perdoar e desculpar. O perdão diz, "Sim, você fez isto, mas eu aceito suas desculpas; eu jamais usarei isto contra você e tudo entre nós será exatamente igual era antes." Onde não há culpa não há perdão. Neste sentido perdão e desculpas são quase opostos. É claro, em vários casos, ou entre Deus e o homem, ou entre um homem e outro, pode haver uma mistura dos dois. Parte daquilo que a princípio pareciam ser os pecados no final acaba sendo destituído de culpa de ambas as partes e é desculpado; o resto que sobra é perdoado. Se você tivesse uma desculpa perfeita, o perdão lhe seria inútil; se todas as suas ações carecem de perdão, então não há desculpa alguma para elas. Mas o problema é que pedir que Deus "perdoe nossos pecados" muito frequentemente realmente consiste em pedir que Deus aceite
nossas desculpas. O que nos leva a esse erro é o fato que geralmente há alguma quantidade de desculpas, algumas "circunstâncias extenuantes." Nós tão ansiosamente apontamos essas coisas para Deus (e para nós mesmos) que estamos aptos a perder a coisa realmente importante; isto é, aquele resto que sobrou, o resto que desculpas não cobrem, o resto que é indesculpável mas não, graças a Deus, imperdoável. E se nós esquecermos isto, podemos levantar achando que nos arrependemos e fomos perdoados quando tudo que na verdade aconteceu foi que satisfizemos a nós mesmos com nossas próprias desculpas. Elas podem ser péssimas desculpas, nos satisfazemos muito facilmente com nós mesmos.

Há dois remédios para esse perigo. Um é lembrar que Deus conhece todas as nossas reais desculpas muito melhor do que nós mesmos. Se realmente existem "circunstâncias extenuantes" não há sentido em ter medo que Ele as deixará de levar em conta. Muito frequentemente Ele deve ter ciência de muitas desculpas que jamais teríamos pensado em usar, e portanto, almas humildes, após a morte, possuem a maravilhosa surpresa de descobrirem que em certas ocasiões eles pecaram muito menos do que pensaram. Todas as desculpas reais serão levadas em conta por Ele. O que devemos Lhe dar é a parte indesculpável, o pecado. Nós apenas perdemos nosso tempo falando sobre todas as coisas que podem (assim pensamos) ser desculpadas. Quando você vai a um médico, as partes que são mostradas são as que possuem algo de errado - digamos, um braço quebrado. Seria pura perda de tempo continuar explicando que suas pernas e garganta e olhos estão perfeitos. Você pode estar enganado em agir assim, e de qualquer maneira, se eles estiverem realmente perfeitos, o doutor irá saber.

O segundo remédio é realmente e verdadeiramente acreditar no perdão dos pecados. Grande parte de nossa ansiedade de criar desculpas vem da nossa falta de confiança, de pensar que Deus não nos aceitará a menos que Ele esteja satisfeito com algo que esteja em nós. Mas isso não é perdão em absoluto. O verdadeiro perdão significa olhar firmemente para o pecado, o pecado que é deixado sem nenhuma desculpa, após todas as concessões serem feitas, e o enxergar em todo seu horror, sujeira, malignidade, e malícia, e a despeito de tudo isto se reconciliar com o homem que o praticou.

Quando a questão é nosso perdão para com as outras pessoas, isso se traduz em parte de maneira igual em parte diferente. É igual porque, aqui perdoar também não significa desculpar. Muitas pessoas parecem pensar que sim. Elas pensam que se você pedir a alguém que perdoe uma traição ou ataque, isso significa que você está tentando dizer que não houve na verdade traição ou ataque algum. Mas se assim fosse, não haveria nada a ser perdoado. (Isto não significa que você deve necessariamente confiar na próxima promessa desta pessoa. Significa, antes, que você deve fazer todo esforço para matar qualquer traço de ressentimento no seu próprio coração - todo desejo de humilhá-la ou machucá-la afim de se vingar) A diferença entre esta situação e a outra onde você está pedindo o perdão Divino é esta. No nosso caso aceitamos desculpas muito facilmente, quanto às outras pessoas não as aceitamos de maneira suficientemente fácil. No que diz respeito aos meus próprios pecados é uma aposta segura (embora não uma certeza) que minhas desculpas não são tão boas quanto eu penso; no que diz respeito aos pecados alheios contra mim é uma aposta segura (embora não uma certeza) que as desculpas são de fato melhores do que eu penso. Portanto devemos começar a examinar tudo que possa indicar que a pessoa não era realmente tão digna de culpa como pensávamos. Mas mesmo se ela for absolutamente culpada, ainda devemos perdoá-la; e mesmo se noventa e nove porcento de sua culpa aparente puder ser explicada através de ótimas desculpas, o problema com o perdão começa com o um porcento de culpa que sobrou. O que pode  realmente produzir boas desculpas não é a caridade cristã, é apenas justiça. Ser Cristão significa perdoar o imperdoável, pois Deus perdoou o imperdoável em você.

Isto é difícil. Talvez não seja tão difícil perdoar uma única e grande injúria. Mas perdoar as incessantes provocações do cotidiano - continuar perdoando a madrasta arrogante, o marido ignorante, a esposa ranzinza, a filha egoísta, o filho traiçoeiro - como podemos fazer tal coisa? Apenas, penso eu, nos lembrando de onde nos encontramos, de mantermos a sinceridade quando oramos todas as noites "perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido." O perdão não nos é oferecido sob nenhum outro termo. Recusar isto é recusar a misericórdia de Deus sobre nós mesmos. Não há nenhuma sugestão de exceção e Deus é sério quando o diz.


sexta-feira, 11 de maio de 2012

Viva a vida.!


Me deixe viver.

Me deixe aprender, me deixe errar, me deixe sorrir, me deixe chorar...

Me deixe viver...

Me deixe amar, me deixe duvidar, me deixe conhecer, me deixe me decepcionar...

Me deixe viver...

Me deixe caminhar, me deixe correr, me deixe ver, me deixe ouvir...

Me deixe viver!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

C. S. Lewis sobre escrever

C. S. Lewis com certeza é um dos personagens mais incríveis que tive a chance de conhecer. Seus livros influenciaram toda uma geração de escritores; e nomes como J. K. Rowling e Neil Gaiman figuram entre a multidão de admiradores de sua obra. Dono de uma mente lógica digna de Aristóteles e um espírito imaginativo que se equipara àquele de Carroll, Tolkien, ou Chesterton, esse professor de literatura de Oxford continua surpreendendo novas gerações com seu gênio e espírito colossais.

Mais conhecido por sua série de livros infantis "As Crônicas de Nárnia," Lewis recebeu milhares de cartas de fãs de suas obras - muitas delas de crianças - e tentou responder à todas de maneira sincera e afetuosa. O que se segue é a tradução de uma dessas cartas onde Lewis dá algumas valiosas dicas sobre a arte de escrever à uma pequena garota americana chamada Joan Lancaster.

São dicas simples, todavia valiosíssimas, pequenos fragmentos dessa mente fantástica que com toda a certeza valem três minutos da vida de qualquer um que goste de literatura - e claro - de Lewis.

The Kilns,
Headington Quarry,
Oxford
26 June 1956

Querida Joan-

Agradeço pela sua carta do terceiro. Você descreve sua Maravilhosa Noite muito bem. Isto é, você descreve o lugar e as pessoas e a noite e o sentimento de tudo isto, muito bem - mas não a própria coisa - a armação mas não a jóia. E não é de se admirar! Wordsworth frequentemente faz a mesma coisa. Seu "O Prelúdio" (você está fadada a lê-lo mais ou menos daqui a dez anos. Não o tente agora, ou você irá apenas prejudicar a sua leitura futura) está cheio de momentos nos quais tudo exceto a própria coisa é descrita. Se você se tornar uma escritora você tentará descrever a coisa por toda a sua vida: e se tiver sorte, dentro de doze livros, uma ou duas senteças, apenas por um momento, chegam perto de conseguir tal feito.

- O que se segue são dicas específicas sobre palavras específicas em Inglês. Coisa que não nos interessa muito aqui, pelo menos não nesse post. Lewis então continua:

- O que realmente importa é:

1. Sempre tente usar linguagem de maneira a deixar claro o que você quer dizer e para se certificar de que sua sentença não poderia significar nada mais.

2. Sempre prefira a palavra clara e direta à longa e vaga. Não efetue promessas, mas a mantenha.

3. Jamais use um substantivo abstrato quando um concreto poderia ter feito o trabalho. Se você quer dizer "Mais pessoas morreram" não diga "A mortalidade cresceu."

4. Ao escrever. Não use adjetivos que meramente nos dizem como você quer que nos sintamos sobre o que você está descrevendo. Quero dizer, ao invés de nos dizer que algo é "terrível," descreva-o de maneira que nos sintamos terrificados. Não diga que algo foi "encantador"; faça com que nós digamos "encantador" ao ler a descrição. Você vê, todas essas palavras (assustador, maravilhoso, medonho,. extraordinário) equivalem a dizer aos seus leitores, "Por favor, faça o meu trabalho para mim."

5. Não use palavras muito grandes para o assunto. Não diga infinitamente quando você quer dizer muito. De outra maneira não lhe restará palavra alguma quando você quiser falar sobre algo realmente infinito.

Obrigado pelas fotos. Você e Aslam estão muito bem. Eu espero que você goste de sua casa nova.

Com amor
C. S. Lewis

domingo, 22 de abril de 2012

Aqui estou novamente.


"Todos os pensamentos inteligentes já foram pensados; o que se faz necessário é pensá-los novamente." (Johann Wolfgang Goethe)

Aqui estou novamente, escrevendo em um blog. Mas agora as coisas são bem diferentes, e minha cabeça deu quinze mil reviravoltas nesse curto espaço de dois anos. Tive a chance de descobrir - e redescobrir - autores que mudaram minha vida. Tive a chance de conhecer novas pessoas e reencontrar antigas; de descobrir novos gostos musicais, de entender e expurgar preconceitos, de ler e aprender um pouco mais.

 Aqui estou novamente, entretanto, não sou o mesmo de dois anos atrás.

Não tenho vergonha de minhas mudanças, porque, como Pascal disse, não tenho vergonha de pensar. E pensar implica em mudar. Pensar implica em identificar e destruir conceitos sem fundamento, pensar implica em renovar e ampliar antigas idéias, em fortificar de maneira racional suas crenças, sentimentos e ideais. Por isso não tenho vergonha de ter mudado, não tenho vergonha de ter voltado atrás, não tenho vergonha de tentar entender.

Então, aqui estou, de novo, tentando escrever. Porémentretantotodavia, o motivo que me move à tal empreitada é bem diferente. Descobri que amo ler, descobri que gosto também de escrever. Meu sonho é poder escrever algo relevante um dia, e leio grandes autores com grande satisfação e admiração por esse maravilhoso dom que é o dom da literatura. Tento escrever agora porque amo escrever, e escrever é um maravilhoso exercício mental e espiritual, escrevo porque me sinto bem ao fazê-lo; não porque desejo que as pessoas me achem inteligente, ou porque quero impressionar alguém. Desisti de tentar ser profundo para tentar ser sincero. E descobri que isso é infinitamente mais difícil.

Sendo infinitamente mais difícil fazer tal coisa, quero mais do que nunca fazê-la. Quero escrever com sinceridade e qualidade, quero transmitir minhas experiências, conhecimento e até mesmo falhas, para que outros, assim como C. S. Lewis disse, possam "enxergar através dos meus olhos." Reconheço de imediato a enormidade da tarefa, reconheço de imediato a minha pequenez. Mas reconheço que homens muito melhores do que eu falharam diversas vezes, que intelectos muito superiores ao meu tremeram de dúvida, falta de confiança, e medo do futuro. Se assim foi com eles (e elas), porque não seria comigo? Sempre tentei ser perfeito, e encontrar algo no qual tivesse uma facilidade incrível. Algo onde eu pudesse ser muito bom sem precisar me esforçar. E, obviamente, não encontrei.

 Até que certo dia estava lendo um livro de compilações de Albert Einstein, onde ele diz algo mais ou menos assim ao falar sobre a sua teoria da relatividade: "Não sou tão inteligente assim, eu apenas passei vários anos estudando o mesmo assunto." Aí entendi que as pessoas, até mesmo os gênios, se esforçam! Essa descoberta foi fantástica, e desde então entendi que estava sendo um completo babaca. Vou fazer aquilo que amo porque eu amo fazê-lo, essa é a razão principal, todo o resto é consequência.

Sendo assim, dou-lhe as boas vindas, se você quiser ler esse blog, leia-o. Se não quiser, oras, não o leia. Simples assim. Se você já conversou comigo e me achou uma pessoa extremamente sem graça, não lhe recomendo esse blog, se você já conversou comigo e me achou uma pessoa extremamente legal, também não leia esse blog, porque você está terrivelmente enganado e alguns erros não devem ser corrigidos. Se você não me conhece, faça o que você quiser, a vida é sua, e não tenho nada a ver com isso.

Bienvenue!