sexta-feira, 21 de junho de 2013

Reflexões de um leigo em Políticas Sociais Sobre toda a Confusão Brasileira

Thackeray, ao escrever sobre Thomas Babington Macaulay, descreveu-o como um homem que lia "vinte livros afim de escrever uma sentença." Esta descrição de Thackeray até hoje fica presa na minha cabeça toda vez que me aventuro a escrever algo ou emitir uma opinião sobre um assunto, ainda mais um assunto controverso.

Bem, assunto mais controverso daquele que será abordado aqui é quase impossível de se imaginar. Portanto gostaria de fazer duas considerações antes de qualquer coisa.

Primeiro, leia atenciosamente o título do texto. Sou um leigo sobre o assunto, e olhe lá. Não sou qualquer entendido em Ciências Sociais, ou Ciências Políticas. Comecei a me interessar por assuntos políticos a partir de uma orientação teológica/filosófica, afim de entender principalmente como as idéias políticas se originaram e qual sua relação com a teologia. Não sou militante político, não tenho preferências partidárias, e me recuso a ser alinhado indiscriminadamente com a ala "conservadora" do Brasil, muito embora concorde com algumas de suas pautas - principalmente por minha moral Judaico-Cristã oriunda da Bíblia e da tradição Cristã ortodoxa.

Segundo, leia novamente o título. Estas são apenas reflexões, não uma tentativa de fornecer um panorama teológico-social-político completo. Estou vendo pessoas que nunca deram a mínima (principalmente na hora de votar) se transformarem do dia para a noite em revolucionários militantes políticos, e gênios comentaristas em assuntos de estado. Me recuso a falar sem pensar. Me recuso a me posicionar sem antes saber as motivações para tal posicionamento, sem antes saber a validade de tal posicionamento, sem antes avaliar muito bem se não estou apenas seguindo a onda - e principalmente - para onde a tal onda está indo.

Portanto me perdoem pela falta de uma visão clara e um posicionamento firme. Estes são apenas fragmentos de uma opinião formada através de "fatos"(será? quem garante? A grande mídia? Os Facebookteiros? O "anonymous?"), uma colcha de retalhos de percepções, temores, e tentativas de lógica.

Voltemos à questão. Confesso que me senti receoso desde o começo das manifestações. Aprendi a jamais engolir um "fato" pela primeira fonte que o passa. Já dizia Rushdoony muito bem que nem o homem nem os fatos são "neutros," a filosofia que você mantém colore e interpreta os fatos. Então ouvi e vi vários vídeos sobre a repressão policial exagerada nos primeiros protestos, e li sobre manifestantes presos à esmo, vinagre, balas de borracha, repressão e ódio crescente. Mas então no dia seguinte outra manifestação ocorreu, e o número já tinha aumentado em algumas milhares de cabeça. E então no outro dia novamente, e novamente. De repente outros estados e cidades começaram também a protestar. Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre. E ontem o número chegou a 100 cidades. O crescimento portanto é um tanto assustador. E podemos ver pouco a pouco o tom dos protestos mudando.

A grande verdade é que toda esta comoção é o resultado de um grito preso na garganta por décadas. Um grito pela (falta de) educação, pelo transporte (insuficiente), pela corrupção generalizada. É uma explosão de um país que se acostumou a ser chamado de acomodado, que se acostumou com o "jeitinho brasileiro," exemplo máximo do mesmo em nossa política. A revolta de um povo que mostrou (e mostra) por um lado extraordinária capacidade de suportar dificuldades, e por outro, uma capacidade extraordinária de não tentar resolve-las coletivamente. É a revolta do povo que não quer mais que tudo acabe em "pizza," mas sim em punição um tanto merecida. É a indignação de ver políticos com auxílio viagem, transporte, moradia, e até auxílio de corte de cabelo. É a fúria de uma nação que assistiu sentada CONDENADOS legislarem leis que os protegem, e passarem "projetos" afim de aumentar seus próprios salários. É a revolta dos impostos sem retorno, das promessas vazias, dos discursos "inclusivos," do blábláblá do "país do futebol" e "país da copa." Somos um país sistematicamente ferido e pisado pelo sistema corrupto, tivemos nossa consciência cauterizada pelas montanhas de sem-vergonhice de nossos caros políticos, vemos cadeiras de cinema nos estádios e camas de ferro nos leitos de hospitais. Se você é Brasileiro (e de fato, humano) e não sente revolta ao ler sobre isso, pare o texto aqui, nada disto tudo lhe interessa.

Tudo isto é verdade, e como Brasileiro compartilho da mesma indignação. Mas tem outro lado.

Começaram a pipocar no Facebook e em todas as redes sociais "revolucionários" instantâneos. Pessoas que há duas semanas estavam falando do Big Brother agora condenam a Globo satânica. (Sim, eu sei que a Globo é uma porcaria de emissora, e que é partidária, e que manipula fatos; mas, meus amigos, que emissora ou mídia não faz isto?) Indivíduos que eu VI dizerem que o Brasil era uma porcaria e que tinham vergonha de viver aqui (neste país de ignorantes) agora compartilham "hashtags" de orgulho nacional. Mentiras são repassadas na internet e engolidas sem qualquer análise. Quantas das pessoas que gritam O PAÍS É NOSSO tem qualquer idéia do conceito de Democracia? Existe mais de um. Quantas pessoas que gritam liberdade definem essa liberdade? Quantas pessoas que tentaram invadir (e aquelas que os apoiaram) de fato pensaram no que fariam após as invasões? Matariam policiais? Depredariam o patrimônio? Ou apenas mostrariam a força bruta e irracional de um país antes conhecido pela inércia política? A grande massa que agora participa dos protestos nunca se preocupou realmente com a política, e gritam a plenos pulmões que querem "os políticos fora." Assistiram muito V de Vingança e esqueceram de ler alguns teóricos políticos.

Levando em consideração os dois lados da questão ainda sou a favor dos protestos. Caramba, eu sou Brasileiro, e sei o potencial deste país, deste povo. Mas não vou fechar os meus olhos para o rumo que isto está tomando.

A situação é um tanto delicada... no começo de tudo vi intelectuais exaltando a juventude que começou tudo como aquela que nos fez lembrar que havíamos "desaprendido a sonhar." A dificuldade aqui reside na idéia um tanto poética que esta juventude toda é coesa e realmente SABE o que quer, e o que é plausível, além de uma idéia de como o sistema econômico e político funciona. Ademais, todo este povo se uniu sob uma bandeira comum: a corrupção. E quando as pautas começarem a mudar (se mudarem?) Militantes do PT foram convocados à manifestação e foram rechaçados com violência. Já existem protestos e petições online visando (de novo) a saída de Feliciano da Comissão de Direitos Humanos. A "Cura gay" é endemonizada por muitos que nem mesmo leram a proposta, a "Democracia" se transforma em um conceito um tanto vago e indefinido, uma bandeira invisível sob a qual todos se abrigam. E quando a bandeira for rompida pelas diferenças morais, éticas, religiosas, políticas, astronômicas, e Deus mais sabe, o que acontecerá? Direita com medo da esquerda tomar o poder de vez, esquerda com medo da Direita aplicar um golpe militar, ou ideológico. E devo dizer que na situação atual considero ambos os medos bem reais.

Agora é a hora de estudarmos mais, é a hora de realmente nos informarmos. Não creia que apenas a Globo manipula informações. Não creia em tudo que lê, ouve; não se deixe ser levado tão facilmente por qualquer "vento de doutrina." Fomos todos pegos despreparados por uma revolução política, pelo simples motivo de que jamais pensamos em política.

Se você é Cristão e está lendo isto, faça mais, ore. Peça a Deus auxílio, sabedoria, misericórdia.

Brasil, meu Brasil... se desaprendemos a sonhar, mostremos agora que não desaprendemos completamente a pensar.








segunda-feira, 10 de junho de 2013

A Arte Não Precisa de Justificativas - H. R. Rookmaaker (Tradução Livre)



Introdução

Os artistas em nossa sociedade se encontram em uma posição deveras peculiar. Por um lado eles são altamente estimados e considerados, quase como sacerdotes da cultura que conhecem os segredos interiores da realidade. Por outro lado eles são pessoas completamente supérfluas. Respeitados, sim. Mas outros estão bem prontos a permitir que eles morram de fome. Nós queremos que os artistas sejam sérios e criem coisas profundas que possuem quase valor eterno, coisas das quais pessoas da cultura podem falar sobre séculos depois. Mas se os artistas desejam ter sucesso, eles devem se curvar aos gostos atuais, ser comerciais e agir como palhaços ao invés de como filósofos. Obviamente este problema não é novo. Tem sido assim desde o século dezoito quando o antigo conceito do artista como artífice começou a ser substituído por um conceito que o enxergava tanto como um gênio dotado e um pária econômico. 

Artistas que são Cristãos também lutam com estas tensões. Mas os problemas dos artistas Cristãos são geralmente maiores pois é difícil para qualquer Cristão viver em um mundo pós-Cristão. É esperado que os artistas trabalhem a partir de suas convicções, mas estes podem ser enxergados pelos seus contemporâneos ateus como ultra-conservadores senão totalmente obsoletos. No topo disto frequentemente lhes falta suporte de sua própria comunidade, sua igreja e família. Para estes os artistas parecem ser radicais ou ociosos infrutíferos. Eles são considerados como estando no caminho errado desde o começo. Desta maneira artistas Cristãos frequentemente trabalham sob grande estresse. 

Por outro lado nós realmente precisamos muito de arte que é saudável e boa, e arte que as pessoas possam entender. Se os Cristãos puderem fazer tal trabalho eles podem não atingir grande fama, mas muitos amarão sua obra. E muitos artistas serão capazes de viver de suas obras. Portanto não há necessidade de auto-piedade. Há uma contribuição a ser feita em uma época que é frequentemente anti-Cristã da maneira mais clara possível.

Aos muitos artistas Cristãos que eu tenho tido a chance de conhecer e cujo trabalho eu considero importante de muitas maneiras, este pequeno estudo é dedicado. De fato, este livro é o resultado de uma palestra entregue no Festival de Artes de 1975 frequentado por algumas centenas de artistas, a maioria jovens, que professavam ser Cristãos ou pelo menos muito interessados no Cristianismo. Eu devo agradecer Nigel Goodwin e sua equipe, que organizaram esta e outras conferências similares, pelo convite, um dos muitos testemunhos de amizade baseada em uma fé e interesse comuns. 

Pode ficar claro que eu falo primeiramente ao pintor e escultor, os criadores das artes visuais. Eu o faço pois meu conhecimento repousa primariamente neste campo. Mas eu penso que a situação e os problemas são mais ou menos similares com muitos tipos de músicos, compositores, atores, escritores, dançarinos, comediantes e outros. 



I

Pano de Fundo Para um Dilema

O papel dos artistas não foi sempre o que é hoje. Na maioria das culturas, incluindo a nossa própria antes do novo período que começou em algum lugar entre 1500 e 1800, os artistas eram primariamente artesãos: a arte significava fazer coisas de acordo com certas regras, as regras do mercado. Os artistas eram trabalhadores hábeis que sabiam como esculpir uma figura, pintar uma Madonna, fazer um portão de ferro forjado, forjar um castiçal de bronze, tecer uma tapeçaria, trabalhar com ouro ou prata, fazer uma sela de couro e assim por diante. Artistas eram membros de corporações como quaisquer outros trabalhadores habilidosos. Alguns eram artistas mestres e tomavam as comissões para a loja. Outros eram ajudantes, aprendizes, servos. Um estúdio era de fato uma oficina com uma sutil divisão de trabalho sob a liderança da pessoa que hoje chamaríamos de artista e cujo nome nós algumas vezes ainda conhecemos. Mas mesmo que os artistas não possuíssem as altas honras que nós os concedemos atualmente (havia exceções no caso de artistas que eram honrados pelos seus patronos), eles de fato faziam coisas tão lindas, de fato, que nós tantos séculos depois ainda nos deslocamos para ver suas obras e frequentemente pagamos enormes quantias para as restaurar e entrega-las a próxima geração. Não há um panfleto turístico de uma cidade ou município ou país que não mostre com orgulho os monumentos duradouros do passado. E o quer que fosse que os artistas ganhassem para fazerem estes tesouros - igrejas, estátuas, túmulos, pinturas nas paredes, relicários, lâmpadas, pinturas, iluminuras, casas, vitrais e muito mais - atualmente elas certamente possuem grande valor econômico para o mercado turístico. Porque ainda vale a pena olhar para suas obras? Obviamente algumas são obras-primas, mas não todas elas. Todavia a maioria das mesmas possui uma realidade, uma solidez, um valor humano, que testifica à grande arte da perícia. Eles trabalharam na linha de uma grande tradição que entregava padrões e esquemas, conhecimento sobre técnicas e ferramentas e também como usa-las; eles eram, e sentiam que eram, herdeiros das conquistas de seus predecessores. Não a originalidade mas sim o trabalho bom e sólido era desejado. A beleza não era uma qualidade adicionada mas sim o resultado natural de técnicas e materiais apropriados manuseados com grande habilidade. Suas obras não eram coisas que pediam debates intelectuais e a interpretação de um especialista, mesmo se às vezes seus trabalhos fossem discutidos, louvados ou criticados. O grande São Bernardo de Claraval, líder da ordem Cisterciense no século doze, discordou das estranhas criaturas esculpidas, monstros ou animais fantásticos que eram encontrados nos claustros; mas mesmo se os condenasse, ele os reconheceu e criticou o quão inapropriados eram não sua beleza ou mão-de-obra.

Esta arte era a expressão de uma qualidade e entendimento comuns da vida muito mais profundos do que riqueza ou status. Mas dentro desta tradição, deste grande quadro de habilidades, de regras e padrões, havia liberdade. Se fosse solicitado a alguém a cópia de uma certa obra, o não era esperado que o tradutor fosse servil na execução, ele ainda poderia mostrar sua própria marca e qualidades. A qualidade, e não a originalidade ou inovação, era valorizada, mas os artistas ainda podiam ser eles mesmos. 

Apenas nesta maneira nós podemos entender a quantidade de obras que ainda serão vistas através da Europa. Mesmo se não quisermos romantizar aqueles tempos onde o trabalho longo e duro era exigido e o pagamento usualmente limitado, todos estes monumentos testificam ao fato de que o trabalho da arte não era algo simplesmente adicionado. Antes ela formava uma parte integral do projeto de um edifício. O que nós chamamos de arte era a beleza natural que era esperada de coisas feitas pelo homem. E portanto não havia uma distinção clara entre a arte da pintura e escultura e o que nós agora chamamos de ofícios. Habilidade, qualidade e adequação seriam o critério. 


Arte com A Maiúsculo 

O papel dos artistas, bem como o da própria arte, começou a mudar em alguns países Europeus durante a Renascença. Este movimento ganhou força e avançou muito no século dezoito, a Idade da Razão, o Iluminismo. A arte se tornou a arte fina, e os artífices foram abandonados como algo inferior. O artista se tornou um gênio, alguém com dons muito especiais que poderiam ser usados para dar a humanidade algo de importância quase religiosa, a obra da arte. A arte de certa maneira tomou o lugar da religião. Descartes, em sua filosofia, disse que apenas aquelas coisas que ele poderia entender racionalmente, claramente e distintamente, eram reais e importantes. Baumgarten, trabalhando sobre a mesma base Iluminista no meio do século dezoito, escreveu um livro chamado Estética. Ele lidou com aquelas coisas que não eram claras nem distintas, aquelas que precediam o conhecimento claro e eram baseadas em sensações, as coisas estéticas, as obras da arte. Desta maneira a quebra de noss cultura Ocidental em duas culturas, as ciências e as artes, se tornou uma realidade que ainda está conosco. Muito foi escrito sobre a arte no século dezoito, não menos na Inglaterra, sobre gosto, sobre o belo e o sublime, e sobre os princípios da arte. Aqui nós podemos ver o começo da moderna história da arte. Muito disto estava ligado ao mundo do connoisseur, a pessoa de bom gosto e conhecimento, o colecionador das obras de arte. A arte se desligou das funções normais da vida, e a beleza passou a ser vista como uma qualidade abstrata não relacionada ao que é retratado, carregando seu próprio sentido.

Com Kant e, em seu despertar, Schelling e Hegel, a arte passou a ser considerada como a solução final das contradições interiores dos sistemas filosóficos designados para formar uma compreensão integrada da realidade. A humanidade é livre e todavia presa à um universo mecânico, e é a arte que pode revelar a unidade interior e passar por cima das tensões racionais. Talvez por esta razão a música se tornou a maior das artes: ela nos domina emocionalmente, e não pode ser analisada facilmente. Seu conteúdo como tal está além do que podemos verbalizar.

Antes desta época, nenhum trabalho de arte era feito. Retábulos, retratos, paisagens, pinturas ou esculturas eram designados a cumprir uma função específica, fosse decorar ou brilhar como uma alta metáfora dos valores mais elevados, representações das Personagens Santas, a Virgem e os santos. Mas as obras de arte começaram a ser consideradas como sendo independentes de qualquer contexto, e alguém no meio do século dezenove poderia escrever que a still life of a lobster (a vida estática de uma lagosta) por Chardin era tão importante quanto a Madonna por Rafael. O conteúdo passou a se tornar cada vez mais secundário, culminando em nosso século no surgimento da arte não-figurativa. A fotografia pode ter tido uma parte nisto, mas as inclinações estavam lá antes da mesma ter sido inventada. A arte no século dezenove expressava novas abordagens à realidade. Ela mostrou que as antigas normas e valores haviam desaparecido, que os conceitos Cristãos haviam perdido sua força na mente das pessoas. [1] 

Vale a pena pensar em mais uma coisa. O século dezoito foi, se não manifestamente anti-Cristão, certamente um que procurou por um mundo a-Cristão. Tudo bem com a religião enquanto fosse puramente privativa e não interferisse com as coisas importantes neste mundo, ciência, filosofia, cultura, as artes elevadas. E então o princípio da neutralidade foi desenvolvido: em trabalhos eruditos deveríamos deixar para trás estas coisas que são irrelevantes e totalmente subjetivas, tais como nossas convicções religiosas. Deveríamos procurar pelo objetivo, aquilo que é verdade independentemente de nossa fé. 

A propósito, os termos subjetivo e objetivo eram eles mesmos definidos pelas tendências Cartesianas no pensamento que foram as forças impulsoras na Idade da Razão. Estas palavras possuem sentido apenas em um pano de fundo de pensamento que começa com uma raça humana mais ou menos autônoma e racionalista que enxerga a si mesma como se relacionando a, e confrontada por, uma natureza objetiva, governada por leis eternas como 2+2=4, que possui seu próprio tipo de autonomia. É um sistema fechado, ao qual Deus nem qualquer outra força não-humana ou não-natural possui acesso - um mundo onde o princípio de uniformidade reina e onde nenhuma outra força além das que conhecemos no mundo atualmente, aquelas que podemos ver, medir, controlar, entender, têm funcionado e jamais funcionarão. Isto não influenciou apenas a visão de artistas mas também a de historiadores. 

Se estudamos atualmente os grandes artistas e suas realizações, nunca nos é dito nada sobre a força motriz de sua vida, o que eles acreditavam, o que eles defendiam. Estas coisas, sendo enxergadas como subjetivas, são deixadas de fora da história. Nos é dada a impressão de que aquelas grandes pessoas no passado poderiam ter feito suas obras-primas apenas a partir de seu próprio gênio, talentos e percepções, e que a religião pouco tinha de influência. Devemos nos conscientizar disto, e não nos curvar perante esta perversão inerente pois a mesma é fundamentalmente falsa. Estudiosos modernos, historiadores, historiadores da arte e filósofos (bem como artistas), fazem mais do que apenas seguir tendências. Eles trabalham a partir de uma cosmovisão básica da realidade. Esta cosmovisão é frequentemente um tipo de religião irreligiosa. 

Uma Crise nas Artes

Tudo isto resultou em uma crise nas artes. A arte era considerada um tipo de religião, uma revelação, uma solução mística para as questões mais profundas da humanidade, mas os artistas estavam frequentemente famintos e alienados. A menos que eles se curvassem diante de gostos pobres e pudessem permitir a si mesmos expressar conteúdo sentimental barato, eles eram abandonados. Arte, a alta Arte, era erguida da realidade diária e colocada em seu próprio templo, onde o catálogo fornece o guia para a liturgia. 

Isto tornou a vida muito difícil para muitos artistas e estudantes de arte. Porque eles estão trabalhando? Qual seu objetivo ao trabalhar? Para muitos tudo se tornou uma procura individualista por sua própria identidade através e dentro de suas obras. Eles são como uma pessoa se olhando no espelho; tudo é uma expressão de si mesmo, e tudo o mais se torna irreal. A arte deve ser a expressão de nosso ser mais profundo, mas e se você encontrar pouca coisa dentro de si? Artistas devem ser gênios, mas gênios não podem ser ensinados, nos é dito, e sua delicada subjetividade não deve ser perturbada por outros que dizem que há algo a ser aprendido. Jovens artistas são desta maneira abandonados para encontrarem e expressarem a si mesmos. 

Alguns atingem o desespero, mas logo são lembrados de que é a própria arte que trará a libertação. As pobres obras destes tristes artistas frequentemente se esmigalham sob o peso e se desintegram. Basicamente, é requerido dos artistas que eles criem sua própria religião sobre a qual nós possamos falar mas jamais acreditar completamente. A menos que um artista seja forte e dotado de grandes talentos ou dono de um poderoso ego, é muito difícil para ele ou ela atingir sucesso no mundo da arte. 

A arte se tornou arte como um fim em si mesma, um tipo de religião irreligiosa, em um mundo onde a religião não possui qualquer papel claro definido. Isto significa que a arte é algo tão rarefeito e especial que as pessoas precisam de cursos afim de poder apreciá-la e palestras afim de explicá-la. Alguns devem se sentir como se estivessem olhando para as novas roupas do Imperador. Como resultado nós vemos pessoas em todos os lugares procurando pelo significado da arte. O fato de que tantos livros que lidam com as artes são publicados não é uma prova de que as pessoas tem certeza sobre o que ela significa, mas sim uma prova do contrário. Esta busca pelo sentido da arte é um sinal de crise. Muito frequentemente esta busca termina em contradições. A arte deve possuir uma mensagem, mas não pode ser didática; a arte deve enriquecer a vida, mas é apenas para os ricos e aqueles com aprendizado especializado. De certa maneira a arte realmente boa  de classe e fama está muito distante do povo, e artes populares são vistas como estando abaixo do nível de aceitabilidade. Obviamente diferenças em qualidade e tipo sempre existiram, mas a clara divisão atual é um fenômeno novo. 

Eu enxergo isto como o resultado de colocar a arte em um pedestal muito alto, erguendo-a acima de seus laços com as realidades diárias ao nível da arte de museu, o trabalho de um gênio. A arte tem sofrido disto. A Alta Arte tem evitado todas as demandas práticas tais como decoração, entretenimento, ou qualquer papel que tenha um vestígio sequer de envolvimento na vida real. Ainda assim este tipo de arte inevitavelmente atrai quase todas as pessoas que possuem algum talento. Nos colégios de arte estão muitos que estudam pintura ou escultura como uma vocação livre, e eles se tornarão os artistas livres de amanhã, a maioria dos quais não conseguirá viver de sua arte. Mas inevitavelmente as artes baixas têm sofrido também. Elas se tornaram as artes populares, algumas vezes chamadas de artes comerciais. 

É arte a serviço de Mamon. Como todas as pessoas genuinamente talentosas tendem a evitar este campo, sua qualidade tem se deteriorado, e muito frequentemente o que é produzido carece de qualquer imaginação ou qualidade. E por esta razão é usualmente a arte que é oferecida para consumo; isto significa que todos, sabendo disto ou não, sofrem. Ela possui sua parte na feiúra de nosso mundo atual. 

No começo do último quarto do século vinte, é útil equilibras as contas e nos perguntar sobre o que estamos fazendo, e quão longe chegamos. Um amigo meu me disse certo tempo atrás, “Quando você publicou seu livro sobre a morte de uma cultura eu pensei que você estava sendo muito pessimista. Hoje, ao olhar o campo das artes, altas, baixas e em qualquer nível, eu penso que você estava certo.”

Sempre existem exceções, por exemplo nas artes gráficas e design industrial, mesmo se aqui não há muitas coisas novas ou excitantes para serem encontradas. Mas se estes campos são melhores, isto certamente é o resultado do trabalho de muitas pessoas preocupadas. Lamentações sobre a baixa qualidade das artes que foram produzidas, especialmente no campo das artes artesanais, o design estético das coisas feitas para serem usadas diariamente, já haviam começado no século passado. Eu posso citar os nomes de Ruskin, Morris e seu movimento Arts & Crafts, e muitos mais. Em nosso século não podemos negligenciar os Bauhaus que tiveram uma saudável influência sobre o design em geral. Mas ao olhar para todos estes esforços não podemos dizer que os objetivos estabelecidos mais de um século atrás foram alcançados. Talvez tenha sido unilateral olhar principalmente para as artes de design como precisando de renovo e reforço. Talvez houvesse ter tido mais discussões sobre a presunção da alta Arte. Mas certamente aqueles envolvidos eram usualmente preocupados com o bem da sociedade e não apenas com estética e qualidade artística. 

Uma Crise em Nossa Cultura

A maioria dos ativistas, críticos e artistas que tentaram renovar as artes e dar ao mundo uma face mais bela de fato argumentaram - de uma maneira ou de outra - que apenas enfrentar os problemas nas artes não era suficiente. Eles entenderam, em diferentes níveis, que a crise nas artes é uma expressão de uma crise muito maior em toda nossa cultura. Esta crise mais ampla é uma espiritual que afeta todos os aspectos da sociedade incluindo a economia, a tecnologia e a moralidade. A qualidade de nossas vidas é manchada, e palavras tais como alienação, desespero, solidão, em resumo; desumanização, são todas relevantes e têm sido usadas muito frequentemente.

Este não é o local para adentrarmos em uma análise de todas estas coisas. Certamente os problemas são relacionados ao fato de que desde a Era da Razão nossa cultura tem se focado na relação da humanidade com a natureza afim de dominar a realidade e usá-la para nosso benefício. Mas como C. S. Lewis na Abolição do Homem analizara tão ironicamente, dominar a natureza e ser capaz de usar seus poderes é geralmente um privilégio apenas dos poucos. Os poucos são portanto mais capazes de exercer poder sobre os muitos. Contra-esforços são feitos em todos os lugares para mudar as coisas ou para tentar vencer os males do sistema. Os Marxistas são conspícuos nisto. Muitos os escutam uma vez que eles pelo menos sinalizam os males. Mas se o remédio deles não é pior do que a enfermidade é a questão real. Se alienação simplesmente significa que nossa relação com as coisas é quebrada, se o domínio da natureza ainda é enxergado como um objetivo, se os valores materiais ainda são o alvo final, e se o problema do pecado é evitado, então as questões mais sérias permanecerão. 

Todavia, se trabalharmos por uma sociedade melhor e por uma resolução na crise das artes, mudanças virão. É importante pensar e analisar estes problemas. Não devemos esperar que as soluções batam em nossa porta. Tempo estará envolvido. Mas deveríamos nos mover, todos nós, incluindo os artistas. 

















II

A Resposta da Igreja

Se, como eu já disse, nosso mundo começou a mudar no século dezoito quando sua direção interior foi colocada em trilhos humanistas, onde a humanidade é o mestre, e o prazer (através do dinheiro) e poder são os valores últimos, onde estavam os Cristãos? Eles não eram poucos em número. Algumas pessoas até mesmo dizem que aquele mesmo período foi um de grande avivamento. 

A maioria do Cristianismo tornou para um tipo de pietismo no qual a idéia de aliança, como pregada nos livros de Moisés e através das Escrituras, foi ignorada. O Antigo Testamento era frequentemente negligenciado, e o sentido da vida Cristã foi estreitado para apenas o da vida devocional. Muito facilmente, amplas áreas da realidade humana, tais como filosofia, ciência, as artes, a economia e a política foram entregues ao mundo, enquanto os Cristãos começaram a se concentrar principalmente em atividades de devoção. 

Se o sistema do mundo era um secularizado, perdendo a verdadeira espiritualidade, a atitude dos Cristãos também se tornou uma reducionista, perdendo seu fundamento na realidade, se tornando desinteressados no mundo criado. Por vezes se tornava uma espiritualidade fantasma sem qualquer corpo. Os Cristãos têm de fato sido ativos. Mas eles têm acreditado de maneira otimista que seria suficiente pregar o evangelho e ajudar de uma maneira caridosa. Ao se concentrarem em salvar almas eles frequentemente esqueceram que Deus é o Deus da vida e que a Bíblia ensina as pessoas a como viver, a como lidar com nosso mundo, a criação de Deus. O resultado é que embora muitas pessoas tenhas se tornado Cristãs, não obstante o mundo se tornou completamente secularizado sem quase nenhuma influência Cristã. As motivações de nossa sociedade são determinadas pelo mundo e seus valores - ou falta deles. 

Duas Consequências do Recuo

Se dissermos que trabalhar como um artista não é suficientemente espiritual e que a arte não possui qualquer lugar na vida Cristã, estaremos abertos a profundos conflitos e contradições. Certa escola Bíblica organizou um curso sobre Cristianismo e cultura. A primeira pergunta era, O que o Cristianismo tem a ver com a cultura? Como ninguém foi capaz de responder isto, a próxima pergunta foi, Porque temos esse curso?

Mas o que acontece quando estes estudantes deixam a escola e começam seus trabalhos, digamos, em evangelismo, e começam uma campanha em algum lugar? Pode haver uma grande tenda e um ótimo pregador. Mas e sobre a música que será tocada antes do pregador falar? Ou sequer haverá música? E se houver música, que tipo de música será? Não deveríamos pensar nisso? Ou isto não importa? A música também é comunicação. Suponha que esta comunicação diga o oposto do que o ótimo pregador disser? 

O mesmo se aplica aos panfletos entregues, aos pôsteres feitos. Estes deveriam ser bem projetados e de bom gosto; eles são frequentemente o primeiro encontro de pessoas de fora com Cristãos. De certa maneira eles constituem nossa face externa e aparência.  Assim como as pessoas mostram quem são pelas suas roupas e pela maneira como se movem, também estas coisas (música, pôsters - em uma palavra, arte) são as coisas que formam nossa primeira e por vezes decisiva comunicação.

Se temos a responsabilidade de construir uma igreja, deve ela ser nua? São Bernardo de Claraval queria que as igrejas monásticas fossem simples e nuas; mas a arquitetura era linda. Mas se não formos tão extremos e procurarmos por alguma decoração apropriada, um vitral, por exemplo, não deveríamos procurar por um bom artista? E quem irá tocar o orgão?  E o que o organista irá tocar? Muito frequentemente temos criado barreiras para as pessoas ouvirem o evangelho pois pregamos que nos importamos com as pessoas e que este mundo é de Deus mas não agimos sob estes princípios. Nossa falta de cuidado mostrou que não estamos realmente interessados nas pessoas ou na criação de Deus. Esta é a primeira consequência do recente recuo das igrejas da cultura. 

Em contraste, da Idade Média através do tempo da Reforma até meados de 1800 quando o pietismo espiritualista começou a remover a beleza para fora da igreja (como se alguém pudesse ter beleza interior sem os sinais externos da mesma), pode ter havido simplicidade mas sempre beleza nas coisas feitas pelos Cristãos. Este não era um processo artificialmente imposto; era apenas a maneira natural de fazer as coisas; a arte ainda não havia se tornado Arte. De fato, aquelas coisas eram tão belas e excelentes que as pessoas ainda vão vê-las. As pinturas de Rembrandt (de Cristo na Estrada para Emaús até uma vida estática), as igrejas, o crucifixo, a música de Bach (tanto as cantatas de igreja quanto os Concertos de Brandenburg), os poemas de John Donne, O Messias e a Música Aquática de Handel, de fato muitos para serem enumerados, todos ainda testificam nesta era secularizada que o Cristianismo pelo menos outrora significou algo. E estas coisas frequentemente ainda comunicam sua mensagem. Um tanto sem perceber, estas pessoas, os patronos, o artista e os Cristãos nestes dias, eregiram sinais para outra época que o Senhor havia feito grandes coisas no mundo. Atualmente eles são muito frequentemente as únicas testemunhas de uma mentalidade Cristã em nossa vida pública. Por esta razão é bom que Cristãos trabalhem como historiadores da arte e em museus, mantendo vivo o entendimento destas coisas antigas, as quais apontam à eterna Palavra de Deus. Este não é o local para discutir todas as facetas da fé Cristã. Mas deveríamos perceber que uma segunda consequência do recuo das igrejas é uma atitude negativa nos círculos Cristãos quanto à cultura (em um sentido restrito) e as artes. 

Deveríamos nos lembrar de que Cristo não veio para nos tornar Cristãos ou para salvar nossas almas apenas, mas que Ele veio nos redimir afim de que pudéssemos ser humanos no sentido completo da palavra. Ser novas pessoas significa que podemos começar a agir em nossa completa e livre capacidade humana em todas as facetas de nossas vidas. Portanto ser um Cristão significa que há humanidade, a liberdade de se trabalhar na criação de Deus e de usar os talentos dados a cada um de nós, para Sua glória e o benefício de nossos próximos. Desta maneira, se possuirmos talentos artísticos, eles devem ser usados. O Senhor sabe porque os está dando. Paulo em sua primeira carta aos Coríntiso (12:12-27) fala sobre a comunidade Cristã como sendo o corpo de Cristo. Cada um possui sua função específica dentro dele. E ninguém pode ser deixado de fora. Certamente alguns tocam a música, desenham as semelhanças, fotografam os movimentos e escrevem as histórias. Estes são os artistas. Eles possuem seu lugar de direito na família de Deus. Novamente, a vida do corpo de Cristo, e certamente um renovo, um avivamento, é impossível sem esses membros chamados por Deus para fazer seus trabalhos. 

Enquanto o corpo se move, trabalha, pensa, e fala, não para o seu próprio bem mas por serem chamados por Deus para ser o sal da terra, os artistas não são apenas servos de uma subcultura Cristã mas sim chamados para trabalhar pelo benefício de todos. É claro que por vezes será inescapável que trabalharemos para a subcultura ou que seremos a subcultura. Por vezes temos que recuar se o mundo nos pede para fazer coisas que são negativas ou destrutivas. Mas se somos rejeitados não porque somos tolos ou teimosos ou estamos tentando forçar todo mundo a andar como nós e seguir nossos costumes mas sim porque não queremos comprometer nossos princípios bíblicos, podemos esperar que Deus nos ajude. Lembremo-nos que Cristo disse aos Seus discípulos que se por Sua causa abandonarmos coisas que são próximas ao nosso coração e estão no centro de nossa vida, Ele irá nesta vida devolver a nós de outra maneira o que foi perdido. Ele cuidará de nós (Marcos 10:28-31). Enquanto não podemos abandonar Seus caminhos, somos não apenas livres mas também chamados para trabalhar pelo benefício de todas as pessoas ao nosso redor.

Um Chamado à Reforma

Se como Cristãos frequentemente nos sentimos tão à vontade neste mundo, temos então que nos perguntar se não temos sido influenciados pelos padrões no mundo ao nosso redor. Talvez o campo da fé é uma diminuta parte de nossa vida, onde a piedade e a literatura devocional ainda têm um lugar. Mas o nosso modo de vida, as músicas que escutamos e os valores que endossamos na prática são diferentes dos da sociedade? Não surpreende que o curto e semanal sermão que escutamos em nossas confortáveis cadeiras se torna alheio a este mundo e impraticável, religioso em um sentido estreito, mais uma questão de sentimento ao invés de realidade diária. Nós cantamos que Jesus é a resposta; sim, mas ao que?

Eu estou convencido que apenas uma verdadeira reforma pode levar a um renovo de nossa cultura, uma reforma não apenas do Cristianismo, mesmo se certamente ela deverá começar lá, mas de todo nosso mundo Ocidental. Eu não acredito na solução Marxista ou tecnológica. 

Os Cristãos precisam acordar. Seu sentimento de falta de poder ou futilidade deve ser substituído por um novo ímpeto de trabalho. Em resumo, os próprios Cristãos precisam se conscientizar do fato que a única palavra profética para nossos dias é voltar ao Senhor e procurar Nele as soluções. Escutemos novamente à Sua Palavra. Os profetas do Antigo Testamento falaram a mundo que havia conhecido a Palavra do Senhor e havia virado as costas para viver o que chamamos agora de uma vida secularizada. Calmamente eles ignoraram as muitas enfermidades de seus dias. Estes profetas não falaram sobre uma graça salvadora e doce disconectada de um afastamento dos males de seus dias e um retorno aos mandamentos Divinos. A leitura destes profetas não é fácil. Suas palavras são alarmantemente apropriadas para nossos tempos. Obviamente nada poderá ser feito se o Senhor não for na nossa frente. Não podemos fazer um novo espírito ou transformar julgamento e maldição em bençãos. O Senhor deve mover. Nossa oração é a mesma daqueles irmãos antigos que compuseram e cantaram canções como o Salmo 10: “Porque estás ao longe, SENHOR? Por que te escondes nos tempos de angústia?” Somos admoestados em Sofonias (2:3), “Buscai ao SENHOR, vós todos os mansos da terra, que tendes posto por obra o seu juízo; buscai a justiça, buscai a mansidão... Embora não haja qualquer promessa de que o Cristianismo voltará a ser reconhecido como uma força influente em nossa sociedade, nossa tarefa é não nos intimidar diante de nossas responsabilidades. Somos chamados para ser o sal da terra, trabalhando contra a corrupção. Somos admoestados a ser humildes, e não sonhadores, imaginando fazer o trabalho de Deus com nossas próprias forças. Ao mesmo tempo é exigido que sejamos retos, que façamos nossas tarefas, que andemos nos caminhos de Deus. Isto significa encarar a realidade que é Sua criação da maneira que Ele o tem feito. Temos uma tarefa se amamos o Senhor e portanto desejamos que Seu nome seja santificado, que Seu reino venha. Todos, cada um no seu lugar, deve começar deste começo. Os artistas não estão excluídos. De fato, eu penso que eles possuem um papel muito importante a cumprir. 

Chore, Ore, Pense e Trabalhe

O começo ao qual eu me referi pode ser resumido nesta fórmula: chore, ore, pense, trabalhe. Foi isto que o profeta quis dizer quando escreveu, “Eu, porém, olharei para o SENHOR (Miquéias 7:7-11). 

Chore pela presente situação. Veja quão longe temos nos desviado de um fundamento aceitável. Nos preocupemos com os muitos que vivem vidas que parecem vazias e inúteis. Até mesmo o mundo está preocupado com estas coisas. A Televisão demonstra que em um mundo totalmente secularizado que o comercialismo, violência, sexo, entretenimento barato e escapismo são as únicas realidades que restam. O sentido deve ser redescoberto e restaurado à nossas ações e esforços. Devemos analisar a situação, tentar descobrir o que está errado, e avaliar nosso próprio papel e lugar nela. 

Chorar é enxergar que as coisas precisam mudar, começar a se preocupar com as vítimas e orar por perdão. Muito frequentemente temos sido cumplíces em tudo que tem acontecido. Não falaria o Senhor com nós da mesma maneira que falou nos dias de Amós (de fato, estas coisas foram escritas para que pudéssemos aprender delas), “Ai dos que dormem em camas de marfim... que cantam ao som da viola... que bebem vinho em taças, e se ungem com o mais excelente óleo: mas não se afligem pela ruína de José!” (Amós 6:4-6) A questão é quanto de nossa riqueza hoje pode ser considerada uma benção, e quanto ela é uma bênção transformada em maldição. Podemos nós ficar facilmente diante de Deus com todas as nossa comodidades, as coisas inventadas afim de tornar nossa vida fácil e luxuosa? Chorar é também enxergar nossa própria fraqueza, nossas próprias falhas, e ver onde nosso amor e nosso cuidado e nossos esforços têm faltado. Chorar nos leva a orar.

Oramos conscientes de que não podemos mudar as coisas por nós mesmos e que precisamos de ajuda. Nós também oramos para pedir sabedoria, força e perseverança afim de trabalharmos por uma melhor solução. Perseverança certamente é o mais difícil, saber que tudo levará tempo, que não é suficiente trabalhar agora, mas que devemos continuar e que talvez jamais vejamos os resultados com nossos próprios olhos. 

A Reforma de Lutero e Calvino ocorreu no começo do século dezesseis, e o resto daquele século assistiu uma situação de confusão pela busca de novos princípios e métodos. Mas a partir de todo o trabalho feito, em obediência ao Senhor, escutando novamente à Sua Palavra, cresceu outra cultura de muitas maneiras melhor e mais rica em espírito. As artes da primeira metade do século dezessete foram de muitas maneiras frutos disto; não perfeitas, mas ricas. Mudar uma sociedade inteira, reorganizar formas de pensamento, costumes e percepções, leva muito tempo. Ainda assim as mudanças foram apenas parcialmente realizadas. Mas as artes eram parte disto tudo e não ficaram para trás. 

Quando houvermos clamado ao Senhor por ajuda e escutado Suas palavras, nós devemos pensar, analisar nossa posição, onde começar e como começar. Eu estou convencido que jamais sairemos dos problemas, da crise, a menos que sejamos capazes de enxergar como fomos tomados pelo espírito do Iluminismo, acreditando no poder da Razão e relegando qualquer crença em Deus para o subjetivo e estritamente pessoal. Deus é bom em salvar almas, mas temos tido a tendência de deixá-Lo de fora de nossas grandes decisões na educação, ciência, política e assim por diante. Temos que entender as formas de pensamento da história intelectual Ocidental e suas consequências - um mundo reduzido, relativismo, neutralidade, neutralidade de valores que são a-Cristãos senão anti-Cristãos. Temos que analisar as soluções propostas, incluindo o Marxismo, e assim nos preparar. Este raciocínio é tarefa não apenas dos grandes filósofos. Todos nós estamos envolvidos. 

Também devemos pensar sobre o que o Cristianismo significa e sua relação com os problemas culturais. Temos levado isto com a barriga por muito tempo, assumindo que as palavras das poucas pessoas que lidaram com este assunto são suficientes. De fato, nosso próprio Cristianismo deve repensado. Não há reforma sem renovo teológico, ou antes, um fortalecimento das percepções Bíblicas. 

E apenas então poderemos agir e fazer algo com perseverança. Obviamente então poderemos começar novamente; a sequência possui sua própria lógica; uma não pode começar a menos que a outra tenha sido feita.

Chore, ore, pense e trabalhe. 




III

A Tarefa do Artista Cristão

Os artistas estão em um lugar crucial. Eles devem tomar parte em um movimento que não possui qualquer organização, que não possui nome, o movimento que eu chamo de reforma, a volta ao Senhor afim de buscar a Verdade, o Caminho e a Vida que está em Cristo Jesus. Os artistas devem fazer parte disto. As artes estão em princípio muito preocupadas em protestar contra a tecnocracia e procurar por alternativas. Os artistas são aqueles que criam os poermas, as músicas, as imagens, as metáforas, as formas que podem tanto expressar o que tem sido ganho em percepção, sabedoria e direção, e transmiti-las aos outros de uma maneira positiva e incisiva. 

Frequentemente a questão tem sido apresentada, a questão de se há qualquer lugar para a arte no quadro Cristão. Precisamos da arte? E a resposta é, depende do que você está falando. Se com isto alguém quer dizer que certa porcentagem da arte produzida para os museus deveria ser feita por Cristãos, então certamente pode ser dito que ela possui um lugar na medida que torna a presença dos Cristãos sentida; mas primariamente estamos procurando por artistas que trabalham dentro da sociedade e que desta maneira estão cumprindo sua parte em tornar a vida mais rica, rica em um sentido espiritual, profundo e excitante. 

Isto não é algo leve ou fácil. São necessários sacrifícios, fazer coisas que outros consideram irrelevantes. Economicamente provavelmente significa estar em uma posição fraca ou vulnerável. Os artistas não podem cumprir integralmente sua tarefa sozinhos. Uma teoria da arte do bom senso, um guia para artistas que não seja uma lista de regras legalistas é muito necessária. Mas como há pouco ajuda vindo dos líderes da igreja, os intelectuais Cristãos, cada artista deve conseguir sozinho. Portanto se quisermos dar aos artistas uma fatia na totalidade da vida Cristã (chorar, orar, pensar, trabalhar), se entendermos que sem os artistas e seu trabalho uma reforma não é apenas improvável mas também inviável, então temos que pensar sobre estas responsabilidades. Significará que precisamos pensar sobre nossa posição Cristã e sobre o que o Cristianismo significa em todos os níveis da vida humana. Tal reforma não é apenas uma reforma da igreja.  A totalidade de nosso ser está em jogo. Ela certamente precisa de evangelismo e trabalho da igreja. Mas pregar o evangelho e dizer que em Cristo há vida sem ser capaz de mostrar algo da realidade desta vida é falar em um vácuo. Logo começa a parecer falso. 

A diferença deve ser visível, em todos os campos. Como C. S. Lewis disse tão magistralmente, nós temos pequenos livros e tratados Cristãos suficientes, mas se desejamos a re-Cristianização da Europa ou Estados Unidos, ela não virá se as pessoas não puderem procurar um bom livro em uma certa área que não venha de um campo Cristão. O mundo não se tornou ateu porque eles pregaram tanto, mas sim porque eles trabalharam tanto. Em muitas áreas eles têm liderado o caminho. Eles têm estabelecido o tom. A arte certamente possui uma grande influência sobre as pessoas. Apenas pense sobre o papel do rock’n roll nos anos 60. Se houvesse boa música Cristã criativa e excitante, se houvessem artes visuais que fossem realmente diferentes, não estranhas mas boas, se... então o Cristianismo teria mais a dizer. Teria mais a dizer ao mundo fora do Ocidente, o Terceiro Mundo. 

Frequentemente nos satisfazemos muito cedo, muito facilmente. Nós pegamos o que o mundo faz, mudamos algumas coisas óbvias, e então pensamos que conseguimos. Nossas pinturas são por vezes as mesmas deles, talvez apenas um pouco menos chocantes ou radicais. Mas ser um Cristão não é ser conservador ou menos excitante. Obviamente os artistas não podem fazer isto sozinhos. Eles precisam dos escritores daqueles livros, dos pensadores que pensam novos pensamentos, dos políticos que oferecem novas soluções, e também dos pregadores e pastores para nos ajudar a enxergar o caminho e nele andar. 

Apenas em tal comunidade podemos avançar. Mas se outros falham ou são fracos por qualquer razão, nós devemos continuar e mostrar o que pode ser feito. Talvez o que vocês artistas fazem é também fraco e débil. Mas não aguardemos. Talvez a reforma que buscamos jamais aconteça se não chorarmos, orarmos, pensarmos e trabalharmos. 

Mas eu penso que tudo isto é óbvio. Os artistas não precisam de justificativas. Deus os chamou, os deu talentos. Não podemos continuar sem eles. Então os auxiliemos em oração, em encorajamento, não apenas com palavras mas também em obras de acordo com o que podemos dar. De fato, aquilo que não podemos viver sem não precisa de qualquer justificativa. 

Arte Evangelística?

Muito frequentemente pessoas dizem aos artistas, ‘Tudo bem ser um artista se sua arte poder ser usada para o evangelismo.’ A arte tem muito frequentemente se tornado uma ferramenta para o evangelismo. Mas sejamos precisos. Como tal não há nada contra isto. Mas devemos estar cientes que a arte não pode ser usada para mostrar a validade do Cristianismo; antes, deveria ser o oposto. O Cristianismo é verdadeiro; as coisas e ações e esforços humanos apenas derivam seu sentindo a partir de sua relação com Deus; se Cristo veio afim de nos tornar humanos, a humanidade e a realidade da arte encontram seu fundamento Nele. Portanto a arte não deveria ser usada como pregação mesmo se ela puder ajudar. Todavia há outra maneira pela qual a arte pode ser ou é significativa. 

Afim de se apropriar aos padrões do evangelismo, os artistas têm frequentemente se comprometido, e portanto prostituído sua arte. Mas Handel com seu Messiah, Bach com sua Paixão de São Mateus, Rembrandt com sua Negação de São Pedro, e os arquitetos daquelas igrejas Cistercienses não estavam evangelizando nem fazendo ferramentas para o evangelismo; eles trabalharam para a glória de Deus. Eles não comprometeram sua arte. Eles não estavam elaborando ferramentas para a propaganda religiosa ou publicidada santa. Precisamente por isto suas obras eram profundas e importantes. Elas não eram os meios para um fim, a salvação de almas, mas eram significativas e um fim em si mesmas. Elas eram para a glória de Deus. 

A arte tem frequentemente se tornado insincera e de segunda classe em seu próprio esforço para falar às pessoas e comunicar uma mensagem que não deveria comunicar. Em resumo, a arte possui sua própria validade e significado, certamente dentro do campo Cristão. Eu desejo falar mais sobre isso mais tarde. 

A arte Cristã deve ser Cristã em um sentido profundo, mostrando os frutos do Espírito em uma mentalidade positiva e com excitação pela grandeza da vida que nos foi dada. Isto não significa que as letras devem ser Cristãs em um sentido estreito. Os Concertos de Branderburg de Bach não são menos Cristãos do que sua Paixão, nem a Noiva Judia de Rembrandt do que suas obras explicitamente Cristãs. De fato, pedir que um artista seja um evangelista revela um total equívoco sobre o sentido da arte, e, aliás, também sobre outras atividades humanas. 

Somos Cristãos quer durmamos, comamos ou trabalhemos duro; o que quer que façamos, nós o fazemos como filhos de Deus. Nosso Cristianismo não se restringe ao momento devocional, aos nossos atos religiosos. Nem é o objetivo primário da vida o evangelismo; antes é buscar o Reino de Deus. Para colocar a questão em uma metáfora, a arte não deve ser comparada com pregação. A melhor obra de arte ainda seria pregação de má qualidade. Ela poderia ser comparada com ensino, mas o professor frequentemente precisa falar sobre matemática, geografia, história, botânia e às vezes, mesmo se raramente, sobre religião. Mas a melhor comparação é talvez com o encanamento. Enquanto o consideramos totalmente indispensável em nossas vidas, todavia raramente nos damos conta disto. De igual maneira a arte cumpre uma função importante em nossas vidas, ao criar a atmosfera na qual vivemos, ao nos dar as palavras para falarmos, ao nos oferecer o quadro através do qual podemos ver e captar coisas, digamos uma paisagem, sem que mesmo o percebamos. A arte é raramente propaganda, mas tem sido muito influente em moldar as formas de pensamento de nossos tempos, os valores que as pessoas estimam. Portanto a mentalidade que fala na arte é muito importante. Sua maior influência se encontra talvez onde ela é mais como o encanamento, onde nós não nos damos conta. Não deveríamos dizer que há algo por trás de nossas ações. Os profundos esforços, o amor e o ódio, a sabedoria e a tolice, o conhecimento e as percepções bem como a miopia e falso idealismo, não estão por trás de nossas ações mas sim nelas. Portanto, trabalhar como um Cristão não é fazer a coisa mais algo adicionado, o elemento Cristão. Uma pintura Cristã, se usarmos este termo com qualquer sentido sério, e intrínseco, não deveria ser apenas uma pintura mais algo adicionado. Nem deveria ser santa em um sentido especial. A arte tem sua própria justificativa. 

Arte Humana

Uma vez que uma pintura é uma criação humana e como tal uma realização da imaginação humana, ela é espiritual; isto é, ela mostra o que significa ser humano. Estas coisas são comunicadas, pois arte é também comunicação. Tudo que é humano atesta ao homem. O humano jamais é algo neutro, um vácuo. A pintura está carregada de significado. Quanto melhor ela for mais isto será verdade. Quando entendemos algo sobre arte, nós sabemos que técnicas, materias, tamanho, todos estes elementos técnicos, são escolhidos por serem uma ferramente apropriada para expressar o que é desejado. Portanto o espiritual e o material são por necessidade intimamente interconectados. E consequentemente o ditado que diz que uma pintura é apenas uma pintura não serve. Isto é frequentemente dito para enfatizar o fato de que nossa espiritualidade particular não tem nada a ver com a obra, o que implica que não há nada a ser dito pelo autor e que não há qualquer humanidade expressada, vivendo ela mesma na obra. 

Portanto estamos nos esforçando para expressar claramente o que é o elemento Cristão na obra de um Cristão, o que a Bíblia chama de fruto do Espírito (Gálatas 5:22). O que deve ser enfatizado é que ele tem que ser humano, real. O elemento Cristão jamais vem como um extra. Em discussões as pessoas frequentemente me perguntam o que alguém deve fazer se deseja trabalhar como um Cristão. Eu tenho a sensação de que frequentemente estas perguntas são feitas dentro de um panorama legalista, como se o elemento Cristão consistisse de seguir algumas regras, usualmente de um tipo negativo. Posso fazer isso? Isto pode ser feito? Mas desta maneira nós entendemos nossa própria espiritualidade muito mecanicamente. Não somos humanos mais um extra chamado nosso Cristianismo. Não, nossa humanidade reage ao mundo exterior e à Palavra de Deus de uma maneira que é específica a nossa personalidade particular. 

Ser um artista Cristão significa que o chamado particular deste artista é usar seus talentos para a glória de Deus, como um ato de amor a Deus e como um serviço amoroso aos nossos iguais. Significa estar no caminho, preparando a nós mesmos o melhor que pudermos, aprendendo as técnicas e princípios do ofício, aprendendo a partir do trabalho de outros e de seus erros, encontrando nossa direção, experimentando, alcançando o que nos propusemos a fazer ou falhando. Trabalhar de tal maneira, com todo nosso coração e mente e espírito, com todos nossos talentos potenciais, em franqueza e liberdade, orando por sabedoria e orientação, pensando antes de trabalhar, é aceitar nossa responsabilidade. 

Auto-criticismo é preciso, obviamente, mas ser um artista Cristão não significa ser perfeito, nem fazer as coisas sem falhas. Nós Cristãos somos por vezes tolos, e cometemos erros, talvez pela nossa pecaminosidade ou porque a tarefa era muito difícil ou porque tomamos conselhos errados; certamente porque somos humanos, vivendo em um mundo corrompido sob a maldição. Ser um Cristão não significa ser um gênio. 

Arte com uma diferença

Se você é um Cristão, não se envergonhe disto. Trabalhe com todo o seu ser e dê o melhor que você tem. Você jamais poderá ser melhor do que é. Tenha vergonha de ser menos, mas você cairá na tolice e no orgulho se quiser ser mais. Isto significa; não tenha medo. Viva a sua liberdade. Não deixe que isto seja estragado pela sua pecaminosidade. O pecado tira a liberdade. Ande em Seus caminhos, sim, mas isto precisa ser feito a partir de suas próprias convicções, a partir de seu próprio entendimento, em amor e liberdade. Jamais é apenas a aplicação de algumas regras, alguns “faça” e alguns “não faça”.  É mais real, mais honesto. Deveria ser um compromisso. 

Portanto devemos trabalhar da melhor maneira que pudermos. Se assim o fizermos já estaremos mudando as coisas. Ser um Cristão é ser diferente - não totalmente; ninguém pode ser totalmente diferente. Se fôssemos, seríamos totalmente estranhos, falando uma língua estranha, e não poderíamos mais nos comunicar. 

É também impossível analisar tudo; consequentemente seremos crianças de nossa época em muitas maneiras. Inevitavelmente teremos muito em comum com todos os nossos contemporâneos. Nós comemos a mesma comida, usamos as mesmas roupas, vamos às mesmas lojas, falamos a mesma língua, lemos os mesmos jornais, fomos às mesmas escolas,  passamos pelas mesmas experiências de secas, inflações, altos e baixos, guerra e paz. Todavia; nós somos diferentes. 

Os Cristãos são diferentes; eles participam do panorama de seu tempo e adicionam à ele. Talvez seu panorama total seja mais amplo e rico por causa disto. Nós confiamos que será. E percebamos que as diferenças contam. Fazer o que não é óbvio, ou fazer algo que ninguém mais faz, isto conta. E nós jamais o fazemos sozinhos. Nós aprendemos de nossos amigos, e também ensinamos. Nós trabalhamos juntos. E nosso grupo, nossos companheiros de viagem neste caminho, Seu caminho, são novamente parte de um grupo maior, e isto finalmente é parte da totalidade de Seu povo, a santa igreja de Deus no sentido mais amplo, a comunhão dos Santos. 

Ao criticar ou protestar, e ao mostrar o caminho melhor, nós podemos influenciar as pessoas. Pode ser o começo de algo que Deus poderá usar em uma reforma; mas esta é a parte Dele. Nossa responsabilidade é ser bons servos e fazer com nossas mãos o que nos for entregue para ser feito. Não devemos perder a esperança enquanto fizermos a nossa parte. Mais tarde, talvez apenas após o último dia, veremos que isto fez a diferença. 

“Então aqueles que temeram ao SENHOR falaram frequentemente um ao outro; e o SENHOR atentou e ouviu; e um memorial foi escrito diante dele, para os que temeram o SENHOR, e para os que se lembraram do seu nome. E eles serão meus, diz o SENHOR dos Exércitos; naquele dia serão para mim jóias... Então voltareis e vereis a diferença entre o justo e o ímpio; entre o que serve a Deus, e o que não serve.” (Malaquias 3:16-18)













IV

Algumas Diretrizes para os Artistas

A despeito das desastrosas consequências da arte ter se tornado Arte no século dezoito, há ainda alguma verdade na idéia de que ela possui um lugar próprio. Não podemos justificar a arte, dizendo que ela cumpre esta ou aquela função embora isto tenha sido tentado de muitas maneiras. Mesmo se a arte por vezes cumpre uma função ou outra, este não pode ser seu sentido mais profundo. Quando os tempos mudam e antigas funções se tornam obsoletas, colocamos as obras de arte em museus; elas perderam sua função mas ainda são obras de arte, e como tais, significaticas. 

O Valor Intrínseco da Arte

Considere uma árvore por um momento. Uma árvore possui muitas funções: ela tem beleza; ela cria sombra; em seus galhos aves podem construir seus ninhos; ela produz oxigênio; quando está morta pode ser usada como madeira, e muito mais. Todavia o significado da árvore, sua existência e realidade como criatura, não está nestas funções e nem mesmo na soma total destas funções, mas exatamente por ser uma criatura, devendo sua existência ao grande Deus Todo Poderoso que é o Criador. A árvore possui seu próprio sentido dado por Deus. Ela não é menos uma árvore quando algums de suas funções por uma razão ou outra não são realizadas. Antes, tendo sentido, ela possui muitas funções. 

O mesmo é verdadeiro em relação aos seres humanos. Nós somos importantes, possuímos sentido, pelo que somos, e não pelo que temos. Nossa importância não está nas posses que temos nem em nossas qualidades ou talentos. Pregadores com um talento oratório não perdem sua humanidade nem seu significado à vista de Deus e seus companheiros humanos se adoecerem e não puderem mais falar. O sentido está no que alguém é, não no que alguém tem

O mesmo é também verdadeiro sobre a arte. Deus deu à humanidade a habilidade de fazer coisas lindas, de criar música, escrever poemas, fazer esculturas, decorar coisas. As possibilidades artísticas estão lá para serem atualizadas, realizadas por nós, e para serem conferidas uma forma concreta. Deus deu isto à humanidade e seu sentido está exatamente nesta doação. Ela foi dada por Deus, deve ser feita através de Deus, isto é, através dos talentos que Ele dá, em obediência a Ele e em amor por Ele e pelos outros. Desta maneira eles são oferecidos novamente à Ele. Desta maneira a arte possui seu próprio sentido na criação de Deus, ela não precisa de justificativas. Sua justificativa é ser uma possibilidade conferida por Deus. Não obstante ela pode cumprir muitas funções. Esta é uma prova da riqueza e unidade da criação de Deus. Ela pode ser usada para comunicar, para representar valores elevados, para decorar nosso ambiente ou simplesmente para ser algo belo. Ela pode ser usada na igreja. Podemos fazer uma bela fonte batismal; usamos bons utensílios de prata para nosso serviço de comunhão e assim por diante. Mas seu uso é muito mais amplo do que isto. Seus usos são múltiplos. Todavia, todas estas possibilidades juntas não justificam a arte. 
A arte possui seu próprio significado. Uma obra de arte pode estar em uma lageria e ser valorizada por ser o que é. Nós escutamos uma música simplesmente afim de aprecia-la, um tipo de apreciação que não é meramente hedonista; ela ultrapassa isto mesmo se em alguns casos ela puder oferecer grande prazer. Mas tem a possibilidade de um grande número de funções que resultam da arte estar ligada à realidade com milhares de laços. É exatamente este último elemento que tem sido subestimado por aquelas pessoas que falam da alta Arte como algo autônomo, arte pela arte. Como a arte não precisa de justificativas, ninguém precisa se desculpar por fazer arte. Artistas não precisam de justificativas, assim como açougueiros, jardineiros, motoristas de táxi, oficiais de polícia ou enfermeiras não precisam justificar com argutos argumentos porque eles estão fazendo seus trabalhos. O sentido de sua vida e trabalho e vida certamente não está em conseguir uma oportunidade de pregar ou testemunhar. 

Encanadores que fazem grandes discursos evangelísticos mas deixam a água vazar não estão fazendo seu trabalho. Eles são maus encanadores. Se torna claro que eles não amam seu próximo. O sentido do trabalho está no amor a Deus e ao próximo. Cada pessoa deveria orar de sua própria maneira, Santificado seja o Teu nome, Venha a nós o Teu reino, e então trabalhar para isto em seus trabalhos específicos. Se falarmos sobre cumprir um papel ou uma função, nós minimizamos e de certa maneira destruimos nosso entendimento sobre o que Deus nos chama a fazer. Há muito mais. É o mesmo para os artistas. Eles não precisam de justificativa. Obviamente eles precisam de justificativa no sentido teológico do termo. Artistas são seres humanos pecadores que precisam da justificação através da obra completa de Cristo na cruz. Todavia Cristãos trabalham como novas criações no sentido de Romanos 6. Sua arte é uma parte de seu ser Cristão tanto quanto todas as outras atividades humanas que mencionamos, tanto quanto aquelas de um pregador ou evangelista. 

Se vermos uma boa obra de arte não é inapropriado orar, Obrigado, Senhor. É um presente de Deus. Talvez estejamos agradecendo a Deus pois Ele respondeu a oração do artista que pediu a Deus ajuda e orientação. E certamente não haveria boa arte se Cristo não houvesse vindo para erguer a maldição deste mundo e salvá-lo de se tornar o próprio inferno. A própria arte é um potencial dado por Deus. Nós seres humanos apenas descobrimos isto e o usamos de uma maneira melhor ou pior. Esta verdade também torna impossível criar um tipo de religião da arte como é frequentemente o caso com a arte moderna. Deus certamente não quer que transformemos a arte em um tipo de deus, tornando a beleza nosso objetivo mais elevado. Esteticismo significa conferir à arte um lugar que ela não merece, o que pode ser muito destrutivo. 

Ao mesmo tempo a arte pode ter um lugar na adoração religiosa. De fato, a criação de ídolos é proibida; mas assim como somos cuidadosos ao preparar um presente para alguém que amamos ou estimamos (o amor que temos é mostrado, expressado, na escolha bem como no embrulho), nós fazemos o melhor para criar as músicas da melhor maneira que podemos, fazer nossos prédios tão belos quanto podemos. A beleza pode ser muito simples. O gosto não pode ser comprado com dinheiro, embora o dinheiro seja às vezes corretamente gastado nela. 

Arte e Realidade

Comunicação e forma são as duas facetas, as duas qualidades da arte. A comunicação sempre se dá através da forma, e a forma sempre comunica valores e sentidos. Ela pode retratar a realidade fora de nós mesmos, como ela é entendida e vista por nós mesmos. Que a realidade pode ser as coisas que vemos bem como as coisas que experimentamos - realidades como amor, fé, cuidado, justiça e suas contrapartidas negativas e malignas. A realidade está fora de nós, novamente como um potencial a ser descoberto e realizado. Por exemplo: a América existia antes que qualquer Europeu a visitasse. Todavia em um sentido ela não estava lá para o mundo Europeu. Ela tinha que ser descoberta, e quando isto aconteceu, suas possibilidades tinhas que ser realizadas, abertas, tornadas disponíveis. Se agora olharmos para a mesma América, após tantos séculos, podemos ver o que foi feito. O mundo Ocidental foi aberto com pontes, estradas, cidades e parques. Seu potencial de produzir frutos e se tornar um local habitável foi realizado. Mas muito também também tem sido destruido. Então podemos ver que existem muitas feridas na realidade daquela terra e seus habitantes, humanos, animais e botânicos. Portanto a América que está aqui agora é uma realidade realizada, mostrando o que as pessoas fizeram dela. A qualidade disto é o que conta. 

Portanto a realidade não está simplesmente (objetivamente) lá. Realidade é potencialidade. A realidade que conhecemos é sempre uma realidade realizada. Nós a descobrimos, a nomeamos, a tornamos acessível. Consequentemente podemos fazer a declaração que sempre vemos o que conhecemos, ou entendemos, do mundo lá fora. A coisa interessante é que o pintor pinta o que vê, mas ao ver o que conhece, nós também podemos dizer que ele pinta o que conhece. Na pintura, na sua comunicação visual, podemos ver o que o artista, como um membro da raça humana, estando em um certo ponto da história, sabia e entendia da realidade. Mas nossa visão da realidade não é apenas conhecimento, no sentido de saber o que está lá, mas também criação, no sentido de que queremos realizar nossa visão na mesma realidade. A qualidade daquela visão conta. Ela pode ser construtiva, positiva, bela, boa; ou pode ser negativa, destrutiva, feia, pobre. Usualmente é uma mistura destes dois extremos. 

A realidade é o presente; ela também engloba o passado. São as coisas vistas e as coisas não vistas que são ainda assim muito reais, como amor, ódio, justiça, beleza, bondade e o mal. Desta maneira os pintores irão sempre pintar o que consideram que é relevante, importante para eles ou para nós. Se eles pintarem o passado, o farão por julgarem o passado tão significativo para nós agora. E ao fazerem irão mostrar seu entendimento dele. Se um artista retrata a história do Natal, ele o faz não só porque ela aconteceu há tanto tempo, mas porque ele pensa que ela ainda será de grande valor e importância para nós. E ele irá mostrar seu entendimento dela. Portanto, ao vermos os cartões de Natal deveras baratos e sentimentais, temos que realmente nos perguntar o que eles representam. Deveria este ser o entendimento desta história agora? Não é isto muito barato, indigno da realidade do Filho de Deus vindo a este mundo? É esta a qualidade de nosso Cristianismo? Se sim, e eu penso que é, isto suscita muitas questões!

A arte não é neutra. Nós podemos e devemos julgar seu conteúdo, seu significado, a qualidade da compreensão da realidade que está incorporada nela. 

Sem dúvidas, há também uma segunda abordagem à realidade, a maneira que a obra é feita, os tipos de cores usadas, a beleza das linhas, em resumo, a qualidade artística. Teoricamente estes dois tipos de julgar a arte podem ser separados, mas na realidade eles geralmente se encontram, pois nós apenas conhecemos a visão e entendimento através da personificação na composição e realização artística da obra de arte. Como a arte é ligada à realidade desta maneira, há um lugar para se falar sobre a verdade na arte. Faz ela justiça ao que representa? Ela o faz de uma maneira positiva? Ela mostra a profundidade e complexidade do assunto que está abordando? A arte pode ser simples; ela deve ser clara; mas ele jamais deve ser tola ou superficial. 

Arte e Sociedade

A arte possui um papel complexo na sociedade. Ela cria as imagens significativas pelas quais aquelas coisas que são importantes e comuns em uma sociedade são expressadas. Através da imagem artística a essência de uma sociedade se torna propriedade e realidade comun. Ela confere à estas coisas uma forma em mais de uma maneira intelectual afim de que elas possam ser absorvidas emocionalmente, em um sentido muito pleno. Emocional não significa anti-intelectual. Antes é mais do que intelectual. Pensamos sobre bandeiras, paisagens, retratos, as canções cantadas sobre a terra que amamos e muito mais. 

É estranho, mas através da arte as coisas são trazidas para mais perto de nós. De certa maneira começamos a ver as coisas porque o artista as tornou visíveis para nós. Ver, como eu entendo aqui, está intimamente ligado à compreensão, ao captar o sentido das coisas, com construir uma relação emocional. Portanto nas casas de pessoas é muito comum ver não fotografias de coisas longínquas mas, muito pelo contrário, muito próximas. Em um chale Suíço é possível ver fotografias de chales e montanhas, talvez da montanha que pode ser vista através da janela. No Canadá eu vi em certa casa uma pintura de uma queda d’água  que ficava a 20 milhas de distância. Em uma escola de hipismo você vê fotos de cavalos, em uma fazenda Holandesa, de vacas. Um amante de carros terá fotografias de automóveis. De fato, desta maneira as coisas ganham realidade. Assim como as coisas até certo ponto não existem se não forem nomeadas, não forem verbalmente formuladas, também as coisas que jamais são retratadas permanecem opacas e vagas uma vez que não aprendemos a enxergá-las. 

O mundo está aberto para nós e sua forma dada. Nós conhecemos as coisas da maneira que os artistas as formularam para nós. Certas vezes até mesmo nosso estilo de vida é formado ou pelo menos influenciado por artistas. Todos sabem como os filmes têm entrado profundamente nas maneiras que as pessoas vivem e pensam, seus heróis, suas visões de mundo, seus sonhos e assim por diante. Os filmes têm frequentemente cumprido um papel na formação de uma nova moda, e moda é certamente mais do que apenas a escolha de cores ou do comprimento de uma saia; ela significa a maneira como nos movemos, até mesmo como nos sentimos. Se pensarmos sobre a nova sociedade de dança que foi introduzida por Irene e Vernon Castle no anos entre 1910 e 1920 em Nova Iorque, sobre a antiga música Jazz de Jim Europe, nós vemos como isto influenciou toda uma nova maneira de vida, uma maneira de se mover, de se vestir. Ela significou o final do comportamento formal e o começo do comportamento informal e despreocupado. 

A arte também pode dar forma aos nossos descontentamentos, à nossa inquietação com certo fenômeno. Ela pode dar forma ao protesto. Se feita da maneira certa, ela não procurará destruir ou demolir o que não está certo. Nas palavras de nossa época, você poderia traduzir a injunção Bíblica de ter sede e fome de justiça como protestar em amor. Filmes, músicas, pinturas, cartoons, slogans podem ser as ferramentas afim de atingir isto. Certamente literatura e poesia têm seu papel. 

A arte cumpre um enorme papel na liturgia da vida. Eu escolhi este termo em analogia à liturgia que temos na igreja, as formas estabelecidas nas quais temos moldado nossos cultos.  A liturgia da vida é a maneira como fazemos as coisas. A arte cria os ambientes, projeta as roupas, desenha o taça dada ao vencedor ou a escultura que é o objeto de admiração. Como acontece com o Oscar. Em muitas maneiras a arte contribui. A organização de uma reunião solene, tal como a inauguração de um presidente, é ela mesma uma obra de arte. O design de um restaurante conta muito, a arte do design interior, de maneira que até mesmo nossa refeição é influenciada. 

Normas Para Arte

A grande norma nisto tudo é o amor a Deus e ao nosso próximo. Na Idade Média as pessoas falavam de um significado múltiplo de um texto ou de uma obra de arte. Seu sentido não era apenas literal (aquele que era contado ou representado) mas também alegórico (aquilo ao que se referia através de imagens ou figuras na história), moral (as implicações das normas aceitas) e anagógico (o impacto que a obra estava causando, como estava levando nossos pensamento e emoções para perto ou longe de Deus e da vida dentro de Sua aliança). A questão chave é esta: A obra faz a verdade (ver João 3:20-21)? Se amamos nosso próximo, nós certamente não podemos despreza-lo. Qualquer esnobismo ou atitude elitista é inapropriada. 

Um lindo exemplo é Isaac Waats, o conhecido escritor de hinos ou salmos métricos do começo do século dezoito. Ele deliberadamente escrevia suas músicas de maneira simples, se abstendo da linguagem intrincada e enfeitada frequentemente usada por poetas que estavam escrevendo usualmente para uma audiência restrita e educada com todos os tipos de referências a mitos, histórias e figuras literárias que os menos educados dificilmente entenderiam. Há lugar para este tipo de poesia, mas não ao escrever músicas de igreja ou hinos. Watts queria que o membro mais simples da igreja fosse capaz de entender suas músicas. Todavia, e esta é a beleza disto, ele criou sua poesia de tal maneira que ele era extremamente fina e poderia resistir ao teste. De fato ela tem resistido ao teste de séculos, e muitos dos hinos que ele escreveu ainda são cantados atualmente. Muitas pessoas que conhecem seu trabalho nem mesmo conhecem o autor ou se dão conta de que ela foi deliberadamente composta afim de ser apreciada por pessoas comuns. 
Se dissermos que o amor é, como em todas as outras coisas, a norma suprema para arte, isto certamente afetará os assuntos que iremos escolher, a maneira como os tratamos, as formas que os concedemos, os materiais que manuseamos, as técnicas que empregaremos. Em Filipenses 4:8 Paulo formulou isto para toda a vida bem como para a arte. No último capítulo do meu livro sobre arte moderna eu tentei trabalhar isto mais extensamente. Esta norma certamente não está acima ou além da arte. Ela está nos próprios traços que colocamos no papel, na batida do tambor, na maneira que atacamos uma nota no trompete, no tipo de tinta que usamos. É arte fazer a verdade?

A arte mostra nossa mentalidade, a maneira que olhamos para as coisas, como abordamos a vida e a realidade. Se estamos entre artistas, pode haver uma discussão sobre os detalhes, sobre as técnicas, sobre os prós e contras deste ou daquela maneira de se lidar com um problema artístico. Eu deixarei isto sem qualquer discussão. Eu apenas desejo apontar que nenhuma destas coisas é neutra. 

Certamente isto se aplica à maneira que lidamos com um assunto. No passado isto era chamado de decoro. Você tinha que escolher as formas, tipos e expressões concernentes a este assunto e a situação. Se você for assistir uma peça de Shakespeare você saberá após três minutos se ela é uma comédia ou tragédia. Assim como ao procurar por uma música no rádio algumas notas são suficientes para saber o tipo de música que você está escutando. 

Em nossos tempos o sentimento de decoro é frequentemente perdido. Um bom exemplo eu penso é Godspell. Aqui nós vemos os limites negligenciados, um erro contra a norma do decoro. Tratar tal tema elevado como a Paixão como se fosse um musical, um gênero de entretenimento e luzes por definição, é errado de todas as maneiras e de todos os lados. A forma não faz justiça ao assunto, e o assunto é tratado de uma maneira irreverente. É uma experiência dolorosa assisti-la completa. É comparável ao exemplo do comum cartão Cristão citado acima. Não é de se surpreender que o Cristianismo perca sua força. Não são estes exemplos provas de quanta força o Cristianismo já perdeu? Todavia muito mais exemplos poderiam ser encontrados. Apenas vá ao moderno museu de arte e veja como coisas banais são tratadas por vezes como se fossem importantes e grandiosas, uma exaltação do muito comum. Obviamente isto pode ser feito de maneira irônica. Mas de fato mostra o relativismo de nossa época na qual qualquer coisa é válida. 

Eu tenho percebido muitos jovens artistas ignorando considerações de adequação e decoro. Eu vi uma pintura que representava a coluna de fogo no Monte Sinai. Estava na forma e nível de um poster. Eu vi um jovem artista pintar Ecce Homo, Cristo com uma coroa de espinhos entre Seus inimigos, mas a qualidade era baixa e portanto estava abaixo da linha. Se você não consegue pintar uma boa cabeça, como você irá escolher um assunto que muitos artistas evitaram no passado pela sua dificuldade? Devemos conhecer nossos limites e escolher nosso gênero bem como nosso assunto uma vez que o próprio genro é parte da comunicação.



Norma e Gosto

Gosto não se discute, é um antigo ditado. Eu não o nego. Uma pessoa prefere paisagens, outra retratos, uma gosta de corais de música, outra de orquestras, e ainda outra de música de câmara. Não há discussão sobre se a ópera é melhor do que as sinfonias ou blues melhor do que Jazz. Mas mesmo se nossas preferências não podem ser discutidas, nossas escolhas podem, uma vez que qualidade e conteúdo não são apenas uma questão de gosto mas sim uma questão de normas. Se falarmos sobre retratos, uns são mais, outros são menos belos, outros de uma qualidade artística maior ou menor. Mas nosso padrão não é apenas definido pela qualidade artística; pelo contrário, quanto maior a qualidade, mais importante se torna discutir o conteúdo, o sentido, a direção anagógica. De igual maneira um livro de teologia escrito por um grande e inteligente escritor não é aceitável simplesmente porque é bem escrito ou profundo. Mesmo se for tão bom, ele deve avaliado com cuidado e talvez refutado como herético, antí-Bíblico ou mal-intencionado. 

Não há nada errado mesmo se mostrar certa limitação quando alguém diz; Eu gosto de músicas de sinfonias, e não gosto de rock. Isto é uma questão de gosto. E dentro destes limites alguém pode preferir Haydn a Mozart, Brahms a Schubert. Mas nem toda sinfonia é boa justamente por ser uma sinfonia. Há sempre a questão de conteúdo e significado; o que ela representa analogicamente? A questão do decoro também pode ser relevante. 

Como um exemplo, Mozart escreveu várias peças de música para a Missa. A música é linda e poderia ser apropriada se estivéssemos escutando uma ópera. Mas eu não penso que este tipo de música, seu tom e expressão, é apropriado para uma Missa. Agora estes exemplos são sobre músicas antigas. Não importa o que pensemos, isto não mudará a história, mesmo se pudermos argumentar sobre a influência do conteúdo daquela música sobre nós atualmente. Mas se falarmos sobre coisas contemporâneas, nossa avaliação se torna mais importante. 

Se uma música está no topo das paradas (eu me refiro ao rock e pop), isto significa que as pessoas a escutam. Então se torna imperativo discutir o significado, conteúdo e influência que ele exerce sobre as pessoas - embora não no sentido direto de uma palavra ou uma linha nem apenas as palavras. A música em seu total impacto na melodia, no ritmo, na harmonia, é a expressão de uma mentalidade, uma tipo de vida, uma maneira de pensar e sentir, uma abordagem à realidade. É importante que isto seja discutido, uma vez que esta música ajuda a formar os estilos de vida daqueles que a escutam.

E como reagimos a ela? Nossas opiniões não são irrelevantes. Em nossa reação criamos ondulações que influenciam nosso tempo. Quanto melhor a música, artisticamente falando, mais importante será a discussão. E se entendermos que a música sobre a qual estamos pensando é a expressão de uma mentalidade, existem mais duas observações a serem feitas. Se a energia daquela música é mundana, antinomiana (anti-lei), expressando incerteza e até mesmo desespero, então o que ela tem a ver conosco? A música que temos ao nosso redor forma parte de nosso ambiente e nosso estilo de vida, isto é, nós mesmos. 

O Senhor disse que não é o que entra por nossa boa que nos torna impuros, mas sim o que sai dela (Mateus 15:11). O ambiente que criamos é algo que sai de nós. Mas por esta mesma razão não deveríamos concluir que jamais podemos escutar àquela música. Isto significaria que estamos nos cortando de nosso próprio tempo. Isto é empobrecedor e também significaria que não entenderíamos nossos contemporâneos, aqueles com os quais queremos nos comunicar sobre o nosso Senhor, sobre a Palavra que Ele nos deu e sobre a obediência à Sua Palavra que Ele exige dos seres humanos. 

Outra questão é se podemos adaptar aquilo que é criado pelo mundo (isto, pelas pessoas que não conhecem ou amam o Senhor) e usá-lo nós mesmos. Não há uma resposta fácil uma vez que a norma é que a música ou a arte em geral deveria ser boa nos dois níveis que explicamos, o nível de qualidade e o nível de mentalidade expressada. Por vezes Cristãos fazem músicas de má qualidade pois não possuem talento, por não se esforçarem o suficiente ou por mostrarem sua natureza pecadora. Por vezes o mundo produz boa música, como os blues de Mississipi John Hurt. Se é boa pode ser seguida; se não faremos melhor em deixá-la sozinha.

Finalmente perguntamos em qual nível, em qual situação tal música pode ser apropriada. As marchas de Sousa são excelentes mas totalmente inadequadas para o uso no serviço da igreja. E é o rock de hoje adaptável à expressão Cristã? É suficiente apenas adicionar outras palavras? A música jamais é apenas palavras. Sua expressão é total, até mais na melodia, ritmo e harmonia do que nas palavras. Isto não significa, obviamente, que qualquer coisa serve nas letras. Não apenas deveria haver uma unidade entre as palavras e a música (a música deve carregar o texto, acentua-la como tal), mas a expressão encontrada na música deve estar alinhada com o texto. Todavia, o próprio texto deve ser enfatizado. Eu tenho ouvido o assim chamado rock Cristão no qual as letras eram um tanto heréticas e não Bíblicas. Em tudo isto, questões de decoro, estilo de vida, entendimento, emoção e gosto entram. Gosto é a percepção de um tato apurado pela nota certa, o ritmo correto, a forma correta no tempo correto, junto com a escolha da palavra certa; em resumo, é o sentimento do que pode e do que não pode ser feito em dado lugar e tempo. Ademais, deve ser considerado o impacto causado em outros, para onde a música os liderará, como será entendida. A comunicação é complexa e possui muitos níveis. 

A vida e a arte são muito complexas para que estabeleçamos regras legalistas. Mas isto não significa que não existam normas. Embora seja impossível definir o tipo errado de sedução ou o tipo correto de beleza ou atratividade de uma mulher pelo comprimento de sua saia ou a largura de seu decote, não obstante a mulher conhece os limites exatos - especialmente o tipo de mulher sedutora - ao ultrapassar os limites. Assim também na música e na arte em geral bons artistas sabem o que deve ser feito em certo lugar e hora, o que é apropriado. É uma questão de bom gosto. 

Adicionarei mais um ponto. Se falarmos sobre música Cristã, não queremos dizer com isto necessariamente dizer música com palavras que entregam uma mensagem diretamente Bíblica ou expressam a vida de fé e obediência no sentido piedoso. A própria obediência não está confinada a assuntos de fé e ética apenas. A totalidade da vida está inclusa. É à mentalidade, ao estilo de vida, que é dada expressão e forma artísticas. A Paixão de São Mateus de Bach é Cristã, mas também o são os Concertos de Branderburgo. Não apenas as palavras das cantatas são Cristãs, mas também a parte instrumental das mesmas. De outra maneira tornaremos o Cristianismo limitado e deixaremos uma grande parte de nossa vida que deveria ser o fruto do Espírito fora do compromisso a Deus, nosso Senhor e Salvador. Por outro lado, eu conheço pinturas que iconograficamente representam um tema Cristão, mas seu conteúdo e impacto são negativos, blasfemos - em resumo, uma mentira. Mas então outra obra do mesmo autor pode expressar uma mentalidade um tanto não-Cristã.

Problemas de Arte e Estilo

Devido ao pensamento de dois séculos de idade que considera a arte como algo elevado, autônomo e quase religioso, existe uma tendência atual de confinar a arte à grande arte, a pintura no museu, a música clássica dos grandes compositores românticos, a grande literatura. Não negação de que é arte nem de que é importante. Mas frequentemente significa que os trabalhos manuais ou de que a música popular de um tipo ou de outro não são consideradas dignas de nossa atenção.

Certo dia encontrei uma garota que me disse que seu sonho era se tornar uma artista. Ela pediu meus conselhos. Seus desenhos não eram bons o suficiente para que eu sentisse que pudesse encorajá-la. Mas eu sabia que ela era muito boa em desenhar roupas, em mexer com tecidos. Portanto meu conselho foi que ela não se encaminhasse ao departamento de pintura de alguma escola de arte. Isto significaria se arrastar por muitos anos; no final ela poderia receber um tapinha nas costas, mas teria provavelmente toda uma pilha de pinturas não vendidas no sótão. Eu disse a ela procurasse por uma boa escola de arte na área de artesanato, tecidos ou moda. Ela o fez, e quando a encontrei mais tarde ela estava feliz. Ela até mesmo sentiu que estava em um lugar mais desafiador, aprendendo mais, do que na elevada escola de arte onde as pessoas discutiam o dia todo e faziam muito pouco, aprendiam muito pouco - como pequenos gênios sem qualquer objetivo. Ao se focar na arte visual, sabendo que distinções comparáveis podem ser feitas em outros campos, é possível procurar por duas qualidades diferentes. A primeira é a quantidade de naturalidade, de representar força, da qualidade representacional. Aqui é possível variar de zero, o totalmente  não-figurativo, a forma pura, ao naturalismo extremo. Em um canto está a curva, o círculo ou o quadrado, a cor pura ou o padrão simples. No outro está a interpretação de impressões visuais, como em Uma vida parada de Harnett ou na precisão de Jan Van Eyck, interpretando coisas com máximo detalhamento.

A segunda diz respeito à carga de sentido que a obra carrega. No nível mais baixo (mais baixo não significando menos) encontramos ornamentos, formas embelezadoras, cores - todas valiosas em si mesmas.  Certamente isto frequentemente possui grande significância. No nível mais alto está o ícone, o trabalho que engloba tanto significado ao carregar tantos valores e representa tão grandes realidades. O ídolo é específico e em um sentido profundo pecaminoso exemplo de um ícone. Mas também pensamos no Davi de Michelangelo, como se o mesmo fosse a personificação de tudo que a Renascença de Florença representa; a grandeza da humanidade. Ou pensamos na Noiva Judia de Rembrandt que representa não apenas a Holanda do século dezessete de Rembrandt mas também a grandeza do amor humano no casamento. Obviamente os ícones Bizantinos também vêm à mente. Entre estes dois extremos todas as obras de arte possuem um lugar, algumas vezes mais carregado, outras vezes menos. 

Toda obra de arte é caracterizada por estes dois elementos. Ela pode ser decorativa, baixa em sentido icônico, mesmo se mostrar flores precisamente pintadas como se dava com papéis de parede do século dezenove. Ela pode ser iconicamente importante mesmo se seu valor representacional é baixo como com Paul Klee ou obras abstratas expressionistas. O ponto agora é que todos estes tipos diferentes de arte, com ou sem alto valor icônico, com ou sem qualidade representacional precisa, são válidas. Isto depende da função que ela deve cumprir. Novamente, decoro é a norma. Se uma obra decorativa é bem feita, ela pode possuir menos valor icônico mas não necessariamente menos valor artístico ou menos significância. Certamente não significa que a pessoa que o fez é um artista inferior. Arte realmente grande frequentemente trabalha em vários níveis ao mesmo tempo. Considere uma igreja barroca na Alemanha meridional. Ottobeuren é um excelente exemplo. Aqui a arte opera decorativamente. Ela adorna a igreja. Mas se você olhar mais atentamente, você verá figuras e finas ornamentações florais. Quando você leva mais tempo, você vê as histórias e, começando a entender estas, você enxerga sua relação à totalidade da igreja e sua função. Finalmente você é capaz de captar o plano total. Aqui todos os níveis de iconicidade e valor representacional estão presentes. Ela é decorativa e ao mesmo tempo carregada de sentido, trabalhando como um esquema de cor e refinação ornamental e com precisão representacional. 

Se entendermos estas coisas, também poderemos captar que o debate entre o figurativo e o não-figurativo nas artes não é muito importante. Eu evito o termo abstrato de propósito. Sempre houve arte não-figurativa, principalmente em ornamentos e similares. E grandes pinturas sempre trabalharam naquele nível à parte da figuração que fornecem e da história significativa representada. E figuração não significa sempre grande profundidade e muito sentido. A questão não é se a arte não-figurativa é certa ou não. Ao invés outras duas outras questões precisam ser levadas em consideração.

A primeira é a questão do decoro, a função da obra de arte em seu próprio cenário. Portanto um ornamento ou o padrão de um tecido pode ser não figurativo. Mas também o pode uma grande escultura se colocada em um lugar que é apropriado. De certa maneira, a Torre Eiffel foi tal escultura não-figurativa, o ponto de referência de uma exibição em 1889. A segunda é  a questão do sentido em relação à função. Considere a forma de nossos relógios ou carros. Nós usualmente chamamos isto de design industrial. Mesmo aqui a forma de um carro pode representar luxo, velocidade ou eficiência. Para decorar o saguão de um hotel, alguém pode escolher um painel figurativo, decorativo; mas também pode ser apropriado escolher algum padrão com áreas amplamente coloridas. O gosto aqui é um princípio guia, uma percepção do que é apropriado. Para mim o que nunca é bom é o abstrato, a negação ou rejeição da realidade, a atitude negativa perante a realidade. Por negativo eu não quero dizer mostrar o errado como errado, trazer à arte um sentido de maldição, de pecado, do inaceitável como tal. Eu não estou pedindo por apenas algum tipo de doces pinturas idealistas. Elas também podem ser mentira, ignorando as realidades da vida, como algumas pinturas Cristãs o fazem. Por atitude negativa eu quero dizer que a realidade como tal é considerada negativa. 

Então o que deve ser levado em conta é o local, o decoro, e o sentido inerente da obra de arte em relação àquele papel. Novamente, a arte jamais é neutra. A totalidade de nossa humanidade está sempre envolvida se quisermos discuti-la adequadamente. Agora algumas palavras sobre estilo. Frequentemente jovens artistas me perguntam sobre qual estilo escolher. Para mim esta é uma pergunta embaraçadora. É impossível escolher um estilo aleatoriamente. Estilo é parte do conteúdo assim como a expressão da obra de arte o é na própria forma artística. De certa maneira, um artista não tem um estilo que pode ser mudado por outro. Ele é um estilo. No estilo ele mostra quem é. Isto não significa que dentro do panorama mais amplo de um estilo não haverá diferenças de estilo em relação à função e local da iluminação específica em uma festa de casamento, profunda e solene em uma ocasião social de grande peso, trágica e lamentosa em um funeral. Mas o estilo não pode ser escolhido aleatoriamente. Certamente não deveríamos escolher um estilo justamente porque desejamos que nosso trabalho seja mais vendável ou popular. Devemos ter a coragem de ser nós mesmos, de ser honestos. Isto para mim é o requisito mínimo para qualquer obra de arte. Jamais deveríamos comprometer nossos princípios ou objetivos mais profundos. Ademais, não deveríamos também apenas seguir tendências e modas enquanto elas vêm e vão. Isto poderia ser, em um sentido negativo, mundano, e mostrar que não temos muita coisa própria a mostrar. Pode ser facilmente entendido que jovens artistas estão procurando por estilo, que eles estão experimentando com as possibilidades de expressão. Mas uma vez que um estilo é encontrado, ele expressa quem eles são. Obviamente isto não significa que eles são imutáveis. Ele crescerá com cada artista em largura e profundidade. Em uma palavra, ele se tornará mais maduro. Usualmente isto também significa mais simplicidade e objetividade pois as complexidades são dominadas e muito é transmitido em poucas imagens. Este é o trabalho de um mestre. 

Ambos os elementos podem ser vistos na história da arte. Na obra de um artista é visível um desenvolvimento, um processo de amadurecimento, de mudanças graduais enquanto a vida avança. Às vezes mudanças de estilo um tanto repentinas acontecem, mudanças nas formas de expressão. Isto sempre significa que uma mudança drástica de direção na vida da artista aconteceu, seja uma conversão a outro princípio espiritual, ou à influência e impacto de uma pessoa ou um movimento. 

Fama e Anonimato

Alguns artistas se tornaram famosos. Alguns de seus nomes são conhecidos por todos. Isto não significa que suas obras são realmente conhecidas por todos. Mas existem milhares e milhares de artistas que não são conhecidos. Se olharmos para os extensos léxico biográfico-artísticos veremos muitos nomes. Eles são pelo menos conhecidos pelo especialista. Mas a parte destes, há muitos dos quais ninguém jamais ouviu falar. Todavia alguém fez aquela estátua particular que é o prazer de todas as pessoas que viajam a um certo lugar atentas. Talvez ela seja valorizada pelas pessoas locais. Quando essas pessoas dizem que amam sua cidade, aquela estátua particular é parte da imagem daquele local, e certamente isto significa que se ela se perdesse muitas pessoas sentiriam sua falta. Sua estátua é famosa, mas quem o conhece? Pergunte às pessoas quem fez as estátuas de Copenhaguem, ou quem fez o monumento em Trafalgar Square e os leões que lá todos viram. 

Muito do trabalho de um artista é anônimo. Neste sentido ele ou ela compartilha do destino dos muitos que trabalham para o benefício público. Quem fez o trem que você usa? Quem é a esperta pessoa que criou os horários televisivos? Quem designou aquele objeto tão útil que você usa todos os dias? 

Talvez o anonimato não seja destino ou tragédia mas algo um tanto normal. O louvor àquele monumento, àquela coisa útil, é a mais alta recompensa que alguém pode receber. Um bom pôster - quem sabe quem o fez? Quem se importa? Talvez os colegas do criador conheçam ele ou ela. Os especialistas saberão. Mas no tempo devido a pessoa é esquecida. Quem sabe quem fez esta ou aquela estátua na Babilônia, no Egito, na Grécia ou Roma? Quem fez a famosa estátua de Marco Aurélio em Monte Capitolino, em Roma? Ou quem erigiu o obelisco em Washington D.C.? 

Tudo isto eu sinto que está correto. A fama vai com o trabalho se ele for bem feito. Panofsky, em seu livro sobre Suger, fala sobre o mesmo de uma maneira muito sábia. Ele compara Suger com Michelangelo. Você sabe quem foi Suger? Suger foi um grande bispo na França no século doze. De muitas maneiras ele foi responsável pelo estilo Gótico. Ele era Abade de St. Denis, a pessoa que escolhia e guiava os artistas. Ele era um homem muito importante no seu tempo embora apenas especialistas tenham ouvido falar seu nome. Todavia todos os que admiram o estilo Gótico estão na verdade louvando sua grande visão e habilidades. Suger, diz Panofsky, de fato procurou a fama, mas ela era centrífuga. A fama estava nas coisas que ele fazia. Aquela de Michelangelo era centrípeta. Isto significa que ela sempre leva ao próprio Michelangelo. Você olha para Pietà. O que você procura? Uma linda Madonna? Um corpo morto de Cristo que mexa com você? Ou você vê Michelangelo? O mesmo é verdade em relação às suas outras obras. De certa maneira esquecemos da coisa que estamos olhando, e deixamos o monumento não dizendo; ‘Quão terrível todavia alegre é o Último Julgamento!’ mas, sim, ‘Michelangelo o fez. Como ele era grande!’ 

Qual destes dois você procura? Podemos criticar Suger por alguns de seus ideais. Se dissermos que as igrejas Católicas Romanas são demasiadamente adornadas, que a arte é excessiva, parte disto significa criticar a visão de Suger. Todavia eu penso que seu ideal de fama é mais Cristão que o de Michelangelo, ou, se não do próprio Michelangelo, das pessoas que lhe louvaram. 

Não devemos procurar a fama. Isto pode estar estimulando o pecado do orgulho. Isto pode significar que perderemos nossa humildade. E Deus pode perder o louvor que Lhe é devido. Esta, eu penso, é a lição que também aprendemos em Eclesiastes. Todas as coisas são vaidade, e até mesmo o mais elevado louvor é evaporado no ar após um ano, um século ou talvez um milênio de anos. Contudo o sentido do trabalho bem feito é a alegria de ser capaz de ter feito algo que foi útil para alguém. Desta maneira você adiciona positivamente ao curso da história na direção do Reino de Deus.

Talvez jovens sonhem em se tornarem famosos. Mas isto pode ser perigoso, levando à comprometimentos, até mesmo à desonestidade, apenas afim de atingir a fama fácil. É melhor sonhar em desenvolver nossos talentos, em atingir o melhor que pudermos. Deixe que outros decidam e julguem e elogiem. Não deixe que isto o engane. No final você terá que comparecer perante o Juiz Supremo, o grande Senhor Todo-Poderoso. Provavelmente você irá dizer então, ‘Senhor, eu fui apenas um servo indigo Teu, mas eu tentei usar meus talentos. Não fui perfeito, mas o Senhor me deu tanto que devo agradece-Lo por qualquer coisa que o mundo disser que eu fiz.’

Em última instância a arte é anônima. Quem conhece os nomes dos grandes escultores das catedrais Góticas? Quem conhece os nomes dos arquitetos até mesmo de prédios que foram construídos um tanto recentemente? Todos sabem que uma boa performance jamais é o trabalho de apenas uma pessoa mas que ele ou ela precisou da ajuda de muitos outros. Esta pessoa única foi de certa maneira a marca, a marca registrada. As pinturas, as músicas, os bons projetos de carros e outros produtos industriais são anônimos. É bom que seja desta maneira. Nós apenas adicionamos ao mundo que Deus nos deu para ser desenvolvido, para ser embelezado. Adicionamos às vidas de muitos, amando nossos próximos. Esta deveria ser  a maior realização. 

As Qualidades do Artista

Quatro qualidades determinam o escopo e profundidade e importância do artista, qualquer artista. Estas são o talento, a inteligência, o caráter e aplicação. O termo talento é tirado da Bíblia, da história que Jesus contou dos talentos. De fato, um talento é dado. É um potencial que deve ser usado com responsabilidade. Nosso Senhor tem o direito de perguntar e Ele certamente irá perguntar, o que fizemos com ele. Algo para ser agradecido? Certamente. Sem isto nenhum artista pode ter qualquer importância. Todavia isto não é algo que seja exclusivo ao artista. Outras pessoas possuem talentos. Qualidades foram dadas a todos, qualidades positivas, que devem ser usadas e desenvolvidas, e qualidades negativas, que devem ser combatidas. 

Por inteligência queremos dizer a qualidade de analisar uma situação, de encontrar a forma certa, de dar a solução correta, de dominar as complexidades da arte, de expressar claramente o que alguém deseja conseguir. De certa maneira está também é uma qualidade dada. Algumas pessoas podem descrevê-la como um talento. Novamente há a necessidade de se desenvolver isto.

Caráter é também uma qualidade muito importante dos artistas. Ele frequentemente determina sua grandeza e importância. Muitos artistas falharam aqui. Alguns, cedo na vida, atingem sucesso com alguma obra e então continuam fazendo a mesma coisa. O que era um ato criativo, o desenvolvimento de um novo princípio, se torna desta maneira um truque, uma realização fácil. Eles secam e se tornam artistas de segunda classe. Muitos grandes artistas terminaram desta maneira. Outra tentação aos artistas é usar seus talentos abaixo de seu nível afim de fazer dinheiro, de ser popular e aceitável. 

Compare Jelly Roll Morton e Louis Armstrong. O Jazz se tornou uma grande influência sobre a música popular Americana. A tentação de se tornar comercial e entrar no pop era muito grande. Louis Armstrong se rendeu. Em torno de 1930 sua obra se tornou fácil e popular e cheia de truques e efeitos. Por tempos ele tentou novamente fazer algo bom e criativo, mas ele quase sempre falhou. Ele até mesmo acabou por vezes no nível de um palhaço, cantando canções de ninar às crianças na Televisão, de mal gosto. Todavia ele era um grande músico, um grande músico de trompete. Mas para escutá-lo, é necessário ouvir sua obra com os Hot Five ou Hot Seven nos anos de 1926-27, ou escutar sua obra inicial com a grande King Oliver Creole Jazz Band de meados de 1922-23. Felizmente ainda temos as gravações. Isto é compreensível, todavia. Os anos após a crise de 1929 tornaram muito difícil para um artista ganhar o sustento. Boa música de qualidade não era apreciada suficientemente pelo público que a preferia sentimental e leve. A tentação de fornecer estes mal gostos era grande. Como sempre, a parte de fraqueza e pecado pessoal, há sempre a culpa comunal, a situação que nossa sociedade, nosso ambiente, nos impõe.

Jelly Rell Morton, o grande pianista de Jazz, todavia, se recusou a vender sua arte. Ele lutou pela qualidade e os princípios que defendia. Como resultado ele ainda é um grande artista que possui um capítulo em qualquer história do Jazz que valha a pena ser lida. Mas seu nome é esquecido pelo público para o qual ele se recusou a pagar o palhaço ou fornecedor de sons. E ele sofreu muitos anos pela pobreza e negligência bem como vários outros artistas de Jazz que sofreram e alguns que morreram nos anos trinta. 

Das linhas acima não deve ser entendido que o entretenimento como tal é errado. De certa maneira toda arte é entretenimento, a oportunidade dada por Deus para relaxar com boa música, com boa arte, com um excelente livro. E não há nada errado com uma balada*, com música dançante (Mozart escreveu um tanto delas) ou com fazer cartoons, pôsters, ilustrações. Mas o que for feito, deve ser feito com qualidade. Lembrem-se do que dissemos anteriormente sobre Isaac Watts. Ele escreveu músicas populares em nível altíssimo. Ou pensem sobre Toulouse Lautrec cujos pôsters ainda pendem nas paredes de pessoas mesmo se as performances que eles foram destinados a anunciar tenham acontecido muito tempo atrás. A maioria das pessoas nem sabem o tipo de músicas que eram cantadas. Se a obra for bem feita, ela sobrevive à ocasião, como a música de Mozart que ainda escutamos. Ainda tocamos Bob Dylan mesmo se o período de protesto no qual sua música teve um papel tão importante tenha passado. Ainda é possível assistir com prazer o bom filme de entretenimento de anos atrás mesmo se o estilo estiver ultrapassado. 

É claro que está ultrapassado. Quer o que façamos, jamais escaparemos ser de nosso tempo. Nós vivemos no agora, inevitavelmente. Mas algo belo sobrevive se suas qualidades não forem efêmeras. 

A última qualidade de todo bom artista é a aplicação. O antigo ditado é que qualquer obra de arte é noventa e cinco porcento transpiração, e cinco por cento inspiração. Algumas pessoas poderão tentar colocar o trabalho duro sob o título de caráter. De qualquer maneira nenhuma grande obra de arte vem por si mesma como um produto do acaso. Não há tal coisa como arte instantânea. À parte do café nada é instantâneo neste mundo! Eu me lembro das palavras de um grande pianista: ‘Se eu não fizer meus exercícios um dia, eu os escutarei no dia seguinte. Se eu não os fizer por dois dias, minha esposa os escutará. Se continuar por três dias, meus melhores amigos irão perceber. Após quatro dias, o público irá perceber.’ 

Então há aquela encantadora história de Hokusai, o grande pintor Japonês e autor de xilogravuras em meados de 1800. Certa vez alguém pediu por uma pintura de um galo. Ele disse, ‘Tudo bem, volte em uma semana.‘ Quando o homem veio, Hosukai pediu por um adiamento: mais duas semanas. Então novamente, dois meses; então metade de um ano. Após três anos o homem estava tão nervoso que se recusou a esperar mais. Então Hosukai disse que o homem o teria lá mesmo. Ele pegou seu pincel e papel e desenhou um magnífico galo em pouco tempo. O homem estava furioso. ‘Porque você me fez esperar por anos se o podia ter feito em tão pouco tempo?’ - ‘Você não entende,’ disse Hosukai. ‘Venha comigo.’ E então levou o homem ao seu estúdio e mostrou a ele as paredes cobertas com desenhos de galos que ele havia feito durante os últimos três anos. Daquilo veio a maestria. É claro que esta história não significa que podemos deixar as pessoas esperando e que não podemos cumprir nossas promessas. A lição é que até mesmo a improvisação e as assim chamadas conquistas espontâneas são apenas o resultado do trabalho duro. Nenhum artista jamais poderá chegar ao topo se ele não começar seu dia com ensaios, um pintor pintando por algumas horas, um músico praticando, qualquer pessoa estudando. O gênio não é suficiente. 

No Caminho

Obviamente nós oramos e pedimos pela ajuda de Deus. Obviamente o Espírito Santo está atrás de nós. Mas Deus, em Sua grande sabedoria e misericórdia, nos considera seriamente como Suas criaturas, até mesmo em Sua própria imagem. Nós nunca nos tornamos instrumentos passivos do Espírito de Deus. Ele nos deu uma personalidade, nos deu liberdade e responsabilidade, portanto jamais podemos dizer que nossa obra é diretamente inspirada e portanto Dele. Seria blasfêmia dizer que nossa obra é uma obra de Deus. Mas nós podemos louvá-Lo pela força renovadora que Ele nos concedeu em Cristo e por Sua ajuda se conquistarmos algo que é cheio de amor, vida, beleza, justiça, paz e alegria que talvez tenham vindo após longas pesquisas e estudos. Tudo se resume a isto: Cristãos artistas são artistas que trabalham, pensam e agem como artistas, usando seus talentos e possibilidades. Mas eles trabalham com outra mentalidade e com outra prioridade na vida. Esta mentalidade implica que nós trabalhamos em liberdade. Não precisamos provar nada a nós mesmos ou às outras pessoas uma vez que a busca por fama e nosso orgulho não precisam nos impedir e uma vez que não precisamos fazer nossa própria eternidade. 

Talvez a melhor maneira de expressar isto seja dizer que estamos no caminho. A Bíblia frequentemente usa esta metáfora. A Escritura é uma lâmpada no caminho que seguimos por este mundo sombrio. Continue no caminho estreito. Ele exige esforço. Mas ir no largo caminho do pecado, deixando-se ir, fazendo o que quiser, leva à destruição de si mesmo, já no aqui e agora. Siga-me! Estas são as palavras de Cristo. Saiba para onde você está indo. Cristo até mesmo aplica esta maneira de falar a Si mesmo quando diz que Ele é o caminho. Viver é andar em um caminho com Ele - um caminho de vida em um sentido profundo, um caminho de verdade uma vez que Ele é a verdade. Deveríamos praticar a verdade que é amar a Deus e amar nosso próximo. O caminho é um caminho de liberdade, amor e humildade, mas é o caminho de santidade onde Ele nos ajuda e nos guia. O caminho é por vezes difícil de seguir e por vezes pede por sacríficios, em casos extremos até mesmo de nosso corpos mortais no martírio. Mas é também um caminho excitante cheio de novas vistas, um caminho em direção à Terra Prometida. Mesmo agora experimentamos muito do que nos está esperando em casa.