terça-feira, 7 de maio de 2013

Porque o Novo Testamento se Cala Sobre a Escravidão - Ou Realmente se Cala?

Escravos como Pessoas

O Novo Testamento pressupõe uma igualdade fundamental pois todos os humanos são criados à imagem de Deus (Tiago 3:9). Todavia, uma unidade ainda mais profunda em Cristo transcende os limites humanos e estruturas sociais: não há Judeu ou Grego, escravo ou livre, mulher ou homem, uma vez que todos os que  crêem são "um em Cristo Jesus" (Gálatas 3:28; Colossenses 3:11).

Alguns críticos declaram, "Jesus nunca disse nada sobre a injustiça da escravidão." Não é bem assim. Ele explicitamente se opôs à todas as formas de opressão em Sua missão de "proclamar liberdade aos cativos... a abertura de prisão aos presos" (Lucas 4:18; Isaías 61:1). Enquanto Jesus não fez pressão por um plano de reforma econômica em Israel, Ele de fato tratou de assuntos tais como ganância, materialismo, contentamento e generosidade.

Os escritores do Novo Testamento trataram de atitudes subjacentes concernentes à escravidão: Senhores Cristãos chamavam servos Cristãos de "irmãos" ou "irmãs." O Novo Testamento exigia que os senhores mostrassem compaixão, justiça e paciência. Sua posição como senhores significava responsabilidade e serviço, não opressão e privilégios. Portanto, a semente já estava na terra para alterar estruturas sociais.

Tanto os escritores do Novo Testamento quanto Jesus, seu Mestre, se opuseram à desumanização e opressão de outros. De fato, Paulo dispensou regras em Efésios 6 e Colossenses 4 não apenas para servos Cristãos, mas também para senhores Cristãos. Os escravos eram em última análise responsáveis perante Deus, seu Senhor celestial. Mas os mestres "devem tratar seus servos da mesma maneira" - a saber, como pessoas governadas por um Senhor celestial (Efésios 6:9). O comentarista P. T. O'Brien ressalta que a "exortação secreta de Paulo era uma afronta" ao seu tempo. [2]

Dada a igualdade espiritual de escravos e livres, escravos até mesmo ocuparam posições de liderança em igrejas. O ministério de Paulo ilustra como em Cristo não há escravo ou livre, quando ele saudava as pessoas pelos nomes em suas epístolas. Algumas dessas pessoas haviam usado nomes de escravos e libertos. Por exemplo, em Romanos 16:7,9, ele se refere à escravos tais como Andrônico e Urbano (nomes comuns de escravos) como "parentes" e "companheiros na prisão" e "cooperadores". A abordagem do Novo Testamento ao tema da escravidão é contrária àquela de aristocratas e filósofos tais como Aristóteles, que defendeu que alguns humanos eram escravos por natureza (Política I.13).

Paulo lembrou os senhores Cristãos que eles, juntamente com seus servos, serviam o mesmo Mestre imparcial. Portanto, eles não deviam maltratá-los mas antes tatá-los como irmãos e irmãs em Cristo. Paulo exortou os senhores humanos a conceder "justiça e equidade" aos seus servos (Colossenses 4:1) De maneira nunca antes vista, Paulo tratou os servos como pessoas moralmente responsáveis (Colossenses 3:22-25) que, assim como seus senhores Cristãos, são "irmãos" e parte do corpo de Cristo (I Timóteo 6:2). [3] Cristãos - tanto senhores como servos - pertencem à Cristo (Gálatas 3:28; Colossenses 3:11). Status espiritual é mais fundamental e libertador do que status social.

O Silêncio dos Escritores do Novo Testamento sobre a Escravidão

Embora os críticos declarem que os escritores do Novo Testamento se mantiveram calados sobre a escravidão, nós podemos ver uma oposição sutil à ela em várias maneiras. Podemos confiantemente dizer que Paulo teria considerado a escravidão pré-guerra Sulista com seu mercado uma abominação - uma violação completa da dignidade humana e um ato de sequestro. Na lista de vícios enumerados por Paulo em 1 Timóteo 1:9,10, ele expõe do quinto até o nono mandamento (Êxodo 20; Deuteronômio 5). Lá Paulo condena os "roubadores de homens" que roubam o que lhe não é de direito. [4]

Os críticos se perguntam porque Paulo ou os outros escritores do Novo Testamento (1 Pedro 2:18-20) não condenaram a escravidão ou ordenaram que os senhores libertassem seus servos. Nós devemos primeiramente separar esta questão de outras considerações. A posição dos escritores do Novo Testamento sobre o status negativo da escravidão era clara em vários pontos: (a) eles repudiavam comércio de escravos; (b) eles afirmaram a completa dignidade humana; (c) eles encorajaram os servos a adquirirem a liberdade sempre que possível (1 Coríntios 7:20-22); (d) suas afirmações Cristãs revolucionárias, se consideradas seriamente, iriam ajudar a desfazer o tecido da instituição da escravidão, que foi o que de fato aconteceu após vários séculos - na eventual erradicação da escravidão na Europa; e (e) em Apocalipse 18:11-13, a decaída Babilônia (o mundo dos opositores de Deus) jaz condenada pois tratara humanos como "mercadoria," tendo traficado "corpos e almas de homens' (verso 13). Esse repúdio em tratar humanos como mercadorias assume a doutrina da imagem de Deus em todos os seres humanos.

Paulo, juntamente com Pedro, não iniciou uma revolta para erradicar a escravidão em Roma. Por um lado, eles não queriam que as pessoas enxergassem a fé Cristã como oposta à ordem social e harmonia. Sendo assim, os escritores do Novo Testamento disseram aos Cristãos para fazer o que é certo. Mesmo se eles fossem maltratados, suas consciências estariam livres (1 Pedro 2:18-20). Sim, obrigações foram conferidas à estes escravos sem seu consentimento prévio. Portanto a caminhada cristã para estes primeiros Cristãos era complicada - muito diferente da situação de servidão voluntária da Lei Mosaica.

Uma revolta contra a escravidão faria um desserviço ao Evangelho - e constituiria uma ameaça direta à um estabelecimento Romano opressivo ("Senhores, libertem seus escravos"; ou, "Escravos, libertem suas cadeias.") Roma iria rapidamente aniquilar uma oposição flagrante com força letal e rápida. Desta maneira a admoestação de Pedro aos servos injustamente tratados implica um sofrimento tolerado sem retaliações. O sofrimento em si mesmo não é algo bom; mas a reação correta no meio do sofrimento é louvável.

Os primeiros Cristãos minaram a escravidão indiretamente, rejeitando muitas suposições Greco-Romanas sobre ela (Aristóteles, por exemplo) e reconhecendo o valor igual e intrínseco dos escravos. Uma vez que o Novo Testamento nivelou todas as distinções nos pés da Cruz, a fé Cristã -  sendo contra-cultural, revolucionária, e anti-status-quo - era particularmente atrativa aos escravos e classes menores. Desta maneira, como fermento, uma vida Cristã poderia ter um efeito gradual de fermentação na sociedade de tal maneira que instituições opressivas tais como a escravidão pudessem finalmente ser derribadas. Isto é, de fato, o que aconteceu por toda a Europa: a Escravidão foi abolida uma vez que as nações Europeias "Cristianizadas" claramente enxergaram que possuir outro ser humano era contrário à criação e à nova criação em Cristo. [5]

O Presidente Abraham Lincoln, que embora desprezasse a escravidão abordou-a de maneira astuta, usou essa estratégia incremental. Sendo um estudante excepcional da natureza humana, ele reconheceu que realidades políticas e reações previsíveis exigiam uma abordagem incrementada. A rota radical abolicionista de John Brown e William Lloyd Garrison iria (e de fato criou) simplesmente criar refreio social contra abolicionistas radicais e tornar a emancipação ainda mais difícil. [6]

Devolvendo Onésimo: Uma Volta à Hammurabi?

Paulo ao devolver Onésimo ao seu alegado dono Filemom estava dando um passo para trás moralmente? Isto não estava de acordo com o código de Hammurabi que insistia no retorno de escravos fugitivos aos seus senhores - algo proibido no Antigo Testamento (Deuteronômo 23:15-16)? Alguns dizem que Paulo estava lado a lado com Hammurabi contra o Antigo Testamento.

Ler uma epístola do Novo Testamento tal como Filemom é como ouvir apenas um lado de uma conversa por telefone. Nós apenas ouvimos a voz de Paulo, mas várias brechas existem, brechas que gostaríamos muito que fossem preenchidas. Qual era a relação de Paulo com Filemom ("querido amigo e companheiro" Filemom 1,17)? Qual era a dívida de Filemom para com Paulo? Como Onésimo havia transgredido contra Filemom (se é que ele realmente o fez)? [7]

Muitos intérpretes tomaram a liberdade de nos ajudar a preencher as lacunas. O resultado típico? Eles lêem mais do que está no texto. A hipótese mais comum de que Onésimo era um escravo fugitivo de Filemom é bem tardia, sendo traçada até o pai da igeja João Crisóstomo (347-407 D.C). Entretanto, genuínos desacordos eruditos existem sobre essa interpretação. A epístola não contém nenhum verbo de "fuga", como se Onésimo houvesse de repente desertado. E Paulo não mostra sinal algum de temer que Filemom fosse brutalmente ameaçar Onésimo se ele retornasse, como senhores Romanos tipicamente faziam quando capturavam seus escravos fugitivos.

Alguns plausivelmente sugeriram que Onésimo e Filemom eram irmãos Cristãos (talvez biológicos) distantes. [8] Paulo exortou Filemom a não receber Onésimo como um escravo (cujo status na sociedade Romana significava alienação e desonra); antes devia receber Onésimo como um irmão amado: "para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como Cristão." (Filemom 1:15,16, NVI, ênfase adicionada).

Note a linguagem similar em Gálatas 4:7: "Assim, você já não é mais escravo, mas filho; e por ser filho, Deus também o tornou herdeiro."(NVI, ênfase adicionada). Isto pode lançar mais luz sobre a interpretação da epístola de Filemom. Paulo queria ajudar a curar a ferida de maneira que Filemom recebesse Onésimo (não um escravo) de volta como um irmão amado no Senhor - não simplesmento como um irmão biológico. Ao fazer assim ele estaria seguindo o próprio exemplo de Deus ao receber-nos como filhos e filhas ao invés de como escravos.

Mesmo se Onésimo fosse um escravo, isto não significaria que ele era um fugitivo. Se um desacordo ou
mal-entendido houvesse ocorrido entre Onésimo e Filemom, e o primeiro houvesse procurado Paulo para intervir ou julgar a disputa, isto não tornaria Onésimo um fugitivo oficial. E dado o conhecimento de Paulo do caráter de Filemom e histórico de dedicação Cristã, a sugestão que a volta de Onésimo era o código de Hammurabi revisitado é infundada. Novamente, se Onésimo fosse realmente um escravo na casa de Filemom, a estratégia de Paulo era esta: ao invés de proibir a escravidão, imponha a irmandade. [9]

Em resumo, Jesus e os escritores do Novo Testamento se opuseram à opressão, mercadoria de escravos, e ao tratamento de humanos como mercadorias. Os primeiros Cristãos eram uma nova e revolucionária comunidade unida em Cristo - pessoas que transcendiam barreiras raciais, sociais e sexuais - que eventualmente levaram à abolição da escravatura na Europa alguns séculos mais tarde.


http://enrichmentjournal.ag.org/201104/201104_108_NT_slavery.cfm

Nenhum comentário:

Postar um comentário