segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Não temos "direito à felicidade" - C. S. Lewis



"Afinal de contas," disse Clare, "eles tinham direito à felicidade."

Estávamos discutindo algo que certa vez acontecera em nossa vizinhança. O Sr. A havia desertado a Sra. A e conseguira o divórcio para que pudesse se casar com a Sra. B., quem havia de igual maneira conseguido seu divórcio para casar com o Sr. A. E não havia dúvida alguma de que o Sr. A. e a Sra. B estavam realmente muito apaixonados um pelo outro. Se esse amor perdurasse, e nada de errado acontecesse com sua saúde ou sustento, eles poderiam razoavelmente esperar serem muito felizes. Estava igualmente claro que eles não estavam felizes com seus parceiros antigos. A Sra. B havia adorado seu esposo no começo. Mas então ele foi para a guerra. 

Foi como se ele tivesse perdido sua virilidade, e era sabido que ele tinha perdido seu emprego. A vida com ele não era mais o que a Sra. B havia barganhado. Pobre Sra. A., também. Ela havia perdido sua bela aparência - e toda sua vivacidade. Pode ser verdade, como alguns disseram, que ela foi consumida pelos filhos e pelo cuidado com seu marido através da longa doença que ofuscou o começo da sua vida de casada. Você não deve imaginar, por falar nisso, que o Sr A. era o tipo de homem que de maneira despreocupada joga uma esposa como o bagaço de uma laranja que já não lhe servia mais. O suicídio dela foi um choque terrível para ele. Todos nós sabíamos disso, pois assim ele nos disse. "Mas o que eu poderia fazer?" ele disse. "O homem tem o direito à felicidade. Eu tinha que agarrar minha chance quando ela veio." 

Eu fui embora pensando no conceito de "direito à felicidade." 

A princípio isso me soa tão estranho quanto ter direito à sorte. Pois eu acredito - não importando o que diferentes escolas morais possam dizer - que uma grande parte de nossa felicidade ou miséria depende de circunstâncias fora de todo controle humano. Um direito à felicidade, para mim, não faz muito mais sentido do que um direito à ter dois metros de altura, ou possuir um pai milionário, ou de ter tempo ensolarado toda vez que você quiser fazer um piquenique. 

Eu posso entender um direito como uma liberdade garantida à mim pelas leis da sociedade na qual eu vivo. Portanto, eu possuo o direito de viajar pelas estradas públicas uma vez que a sociedade me dá essa liberdade; isso é o que significa chamar as estradas de "públicas." Eu também posso entender um direito como uma reivindicação garantida à mim pelas pelas leis, e correlativa à obrigação da parte de um terceiro. Se eu possuo o direito de receber 100 reais de você, essa é outra maneira de dizer que você tem o dever de me pagar 100 reais. Se a lei permite que o Sr. A. deserte sua esposa e seduza a esposa de seu vizinho, então, por definição, o Sr. A. possui o direito legal de assim proceder, e nós não temos que trazer toda a conversa sobre "felicidade."

Mas obviamente não foi isso que a Claire quis dizer. Ela quis dizer que o direito que ela possuía não era apenas legal, mas também moral. Em outras palavras, a Claire é - ou seria se tivesse parado para pensar nisso - uma moralista clássica seguindo o estilo de Tomás de Aquuno, Grócio, Hooker e Locke. Ela acredita que atrás das leis do estado existe uma lei natural.

Eu concordo com ela, e mantenho que essa concepção é básica à toda civilização. Sem ele, as leis do estado se tornam absolutas, como em Hegel. Elas não podem ser criticadas uma vez que nos falta uma norma pela qual elas devem ser julgadas. 

O ancestral da máxima de Clare, "Eles possuem o direito à felicidade," é Augusto. Em palavras que são amadas por todos os homens civilizados, mas especialmente pelos Americanos, foi estabelecido que um dos direitos do homem é "a busca da felicidade." E agora nós chegamos ao ponto real.

Qual era o significado que os escritores daquela declaração queriam passar?

Está bastante certo o que eles não quiseram passar. Eles não quiseram dizer que o homem estava intitulado para perseguir a felicidade através de todo e qualquer meio - incluindo, digamos, assassinato, estupro, roubo, traição e fraude. Nenhuma sociedade poderia ser construída sobre tais bases.  

O significado era "perseguir a felicidade através de todos os meios legais"; isto é, através de todos os meios que a Lei da Natureza eternamente sanciona e que as leis da nação devem sancionar. 

Admitidamente isto parece a princípio reduzir a máxima à tautologia que o homem (em sua perseguição da felicidade) possuem o direito de fazer tudo aquilo que eles possuem o direito de fazer. Mas tautologias, quando enxergadas contra seu apropriado contexto histórico, não são sempre tautologias estéreis. 

A declaração é antes de tudo uma negação de todos os princípios políticos que por muito tempo governaram a Europa: Um desafio arremessado aos Impérios Russo e Austríaco, à Inglaterra antes do Ato de Reforma de 1832, à França Bourbon. Ela exige que quaisquer meios de buscar a felicidade sejam legais pois qualquer um deve ser legal para todos; que o "homem," não homens de uma determinada casta, classe, status ou religião, deveriam ser livres para usá-los. Em um século onde isto é desmentido por nação após nação, partido após partido, não a chamemos de uma tautologia estéril. 

Mas quanto à questão sobre quais meios são "legais" - sobre quais métodos são permissíveis pela Lei da Natureza ou se deveriam ser declarados legalmente permissíveis pela legislação de uma nação particular - permanece exatamente no mesmo lugar. E nesta questão eu discordo da Clare. Eu não penso que seja óbvio que as pessoas possuam o "direito à felicidade" ilimitado como ela sugere. 

Eu acredito que Clare, quando diz "felicidade," quer dizer simples e puramente "felicidade sexual." Em parte porque mulheres como Clare nunca usaram a palavra "felicidade" em qualquer outro sentido. Mas também porque eu nunca ouvi Clare falar sobre o "direito" a qualquer outra coisa. Ela era um tanto esquerdista em sua política, e teria se escandalizado se alguém defendesse as ações de um implacável milionário sobre a base de que sua felicidade consistia em ganhar dinheiro e ele estava apenas buscando sua felicidade. Ela era rigidamente abstêmia em relação ao álcool; eu nunca a ouvi desculpar um beberrão porque ele estava feliz quando bêbado. 

Clare, de fato, está fazendo o que aos meus olhos todo o mundo ocidental vem fazendo durante os últimos e estranhos quarenta anos. Quando eu era jovem, todas as pessoas progressivas estavam dizendo, "Porque todo esse puritanismo? Tratemos o sexo exatamente como tratamos todos os nossos impulsos." Eu era ingênuo o suficiente para acreditar que eles realmente queriam dizer aquilo. Eu desde então descobri que eles queriam dizer exatamente o oposto. Eles queriam dizer que o sexo deveria ser tratado como nenhum outro impulso na nossa natureza jamais havia sido tratado por pessoas civilizadas. Todos os outros, nós admitimos, devem ser freados. Obediência absoluta ao seu instinto de auto-preservação é o que nós chamamos de covardia; ao seu impulso aquisitivo, avareza. Até mesmo o sono deve ser combatido se você é um sentinela. Mas toda e qualquer falta de bondade e quebra de fé parece ser tolerada desde que o objeto desejado seja "quatro pernas nuas em uma cama."

É como ter uma moralidade onde roubar frutas é considerado errado - a menos que você roube nectarinas. 

E se você protesta contra essa visão geralmente encontra alguma tagarelice sobre a legitimidade e beleza e santidade do "sexo" e é acusado de abrigar algum desrespeitoso e vergonhoso preconceito Puritano. Eu nego a acusação. Vênus. Afrodite dourada. Eu jamais respirei uma palavra contra vós. Se eu contesto os garotos que roubam minhas nectarinas, devo eu desaprovar as nectarinas em geral? Ou até mesmo os garotos em geral? Pode ser que seja o roubo o que eu desaprovo.

A real situação é habilmente ocultada ao dizer que a questão do "direito" do Sr. A. em desertar sua esposa é um que pertence à "moralidade sexual." Roubar um pomar não é uma ofensa contra uma moralidade especial chamada "moralidade das frutas." É uma ofensa contra honestidade. A atitude do Sr. A é uma ofensa contra a boa fé (às promessas solenes), contra a gratidão (para alguém a quem ele estava profundamente endividado) e contra a humanidade comum. 

Nossos impulsos sexuais, portanto, estão sendo colocados em uma posição de privilégio absurdo. O motivo sexual é dito ser capaz de perdoar todos os tipos de comportamentos que, se tivessem qualquer outro fim como propósito, seriam condenados como impiedosos, traiçoeiros e injustos. 

Agora, embora eu não enxergue nenhuma razão legítima para conceder ao sexo este privilégio, eu penso que isto se deve à uma poderosa razão. Ela é esta.

É parte da natureza de uma poderosa paixão erótica - como distinta de um transitório arroubo de apetite, por exemplo - que ela faz promessas muito mais elevadas do que qualquer outra emoção. Sem dúvidas todos nossos desejos fazem promessas, mas não de maneira tão impressionante. Estar apaixonado envolve a quase irresistível convicção de que estaremos apaixonados para o resto de nossas vidas, e que a possessão do amado ou amada irá conferir, não apenas êxtases frequentes, mas uma estabelecida, frutífera, profundamente enraizada e eterna felicidade. Portanto todas as coisas parecem estar em jogo. Se perdermos essa chance teremos vivido em vão. O próprio pensamento de tal acontecimento nos lança nas mais insondáveis profundidades de auto-piedade. 

Infelizmente, frequentemente descobrimos que essas promessas são falsas. Todo adulto experimentado sabe que esse é um fato quando o assunto são todas as paixões eróticas (exceto aquela que ele está sentindo no momento). Nós relevamos as pretensões sem fim de nossos amigos deveras facilmente. Sabemos que certas coisas às vezes duram - e às vezes não. E quando elas de fato duram, isso não se deu porque eles prometeram fazê-lo no início. Quando duas pessoas alcançam felicidade duradoura, isso não se dá simplesmente porque eles são grandes amantes mas também porque - eu devo colocar de maneira crua  - são pessoas boas; controladas, fiéis, racionais e mutuamente adaptáveis. 

Se estabelecemos um "direito à felicidade (sexual)" que suplanta todas as regras ordinárias de comportamento, não o fazemos pelo que nossa paixão mostra na experiência, mas sim pelo que ela professa enquanto estamos no seu ápice. Portanto, enquanto o mal comportamento é real e cria misérias e degradação, a felicidade que era o objeto do comportamento se mostra vez após vez ilusória. Todas as pessoas (exceto Sr. A. e Sra. B.) sabem que o Sr. A. em um ano ou menos pode ter a mesma razão para desertar sua nova esposa como teve para desertar a antiga. Ele irá sentir novamente que todas as coisas estão em jogo. Ele se enxergará novamente como um grande amante, e sua auto-piedade irá excluir toda a piedade por sua mulher. 

Dois pontos permanecem.

Um é este. Uma sociedade na qual a infidelidade conjugal é tolerada deve sempre e por necessidade se tornar a longo prazo uma sociedade adversa à mulher. Mulheres, a despeito do que algumas músicas machistas e sátiras possam dizer são mais naturalmente monogâmicas do que os homens; é uma necessidade biológica. Onde a promiscuidade prevalece elas sempre serão com mais frequência as vítimas do que as culpadas. Ademais, felicidade doméstica é mais necessária a elas do que a nós. E a qualidade pela qual elas mais facilmente atraem e mantém um homem, sua beleza, diminui ano após ano após terem atingido a maturidade, mas isto não acontece com aquelas qualidades da personalidade - as mulheres não dão a mínima realmente para nossa aparência - pelas quais atraímos e mantemos as mulheres. Dessa maneira em uma implacável guerra de promiscuidade as mulheres possuem uma desvantagem dupla. Elas põem mais em jogo e têm menos chances de ganhar. Eu não tenho simpatia por moralistas que franzem suas sobrancelhas à cada vez maior crueza da provocatividade feminina. Estes sinais de desesperada competição me enchem de compaixão. 

Em segundo lugar, embora o "direito à felicidade" seja principalmente invocado em conexão ao impulso sexual, me parece impossível que o assunto devesse permanecer apenas aqui. O princípio fatal, uma vez permitido neste campo, deve cedo ou tarde infiltrar-se em todas as áreas de nossas vidas. Nós então avançaremos para um estado de sociedade onde não apenas cada homem mas também cada impulso em cada homem reivindica carte blanche*. E então, embora nossas habilidades tecnológicas possam nos ajudar a sobreviver um pouco mais, nossa civilização terá morrido no coração, e irá ser - ninguém nem mesmo ousa dizer "infelizmente" - varrida para sempre. 


*Carte Blanche - Expressão Francesa que possui o significado literal de "carta branca" tendo como definição mais próxima a de "possuir total e completa autoridade e liberdade para agir conforme sua vontade." 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Vamos acabar com esta folga - Stanislaw Ponte Preta

 O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

- Isso é comigo?

- Pode ser com você também - respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma trautilada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia ali dentro homem pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc, etc. Até que lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar como os outros:

- Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Gratidão eterna

Ao meu Deus, meu Senhor, meu Salvador.

Me sinto pequeno demais para Te adorar, indigno demais para Te amar. Seu perdão me reveste todos os dias, setenta vezes sete é o número, devo perdoar como o Senhor me perdoa. Não me permita sucumbir às minhas tentações, tão extensas e variadas, tão mortais quanto a morte. Proteja-me sob Tua sombra, a sombra do Onipotente, a sombra do Altíssimo. Te agradeço tanto por nunca virar ter virado as costas para mim! Por sempre ter se mostrado o que é, Deus, insondável, fiel, mais cuidadoso do que eu jamais conseguiria conceber. Te agradeço também por ser maior, muito maior do que minha imaginação, por quebrar todas as barreiras que minha mente poderia ter criado, por ser mais profundo, mais terrível, mais amoroso, mais justo, mais santo e mais criativo, além de tantos outros atributos. À fonte de toda a beleza eu rendo minhas débeis palavras, minha falha gratidão, minhas lágrimas. Gostaria de poder ser mais eloquente meu Deus! Gostaria de poder exaltar Seu nome da maneira mais bela possível, gostaria de poder imprimir através das palavras nas mentes e corações uma diminuta parte apenas do Senhor, talvez um pouquinho dos meus sentimentos, talvez um pouquinho do que o Senhor fez por mim.

Queria ser poeta para poetizar minha vida e através dessa poesia mostrar O Poeta maior.

Queria ser muitas coisas. A única coisa que não queria o Senhor me fez ser. E hoje sou Seu filho. E hoje sou feliz.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Niemeyer e reflexões patrióticas

De muitas barbaridades que já ouvi em minha vida uma delas merece atenção especial no dia de hoje.

Lembro-me de ouvi-la saindo da boca de uma aluna no curso de inglês no qual eu lecionava, barbaridade essa que até hoje ecoa em minha mente.

Estávamos no meio da aula quando perguntei porque ela queria aprender inglês. Após alguns momentos de silêncio nos quais sua mente estava obviamente maquinando uma resposta conclusiva à tal pergunta incrivelmente abrangente, sua boca se abriu e as palavras finalmente vieram: Ela queria ser uma jornalista e morar nos Estados Unidos. Automaticamente franzi minha testa de maneira quase imperceptível (ou não) em desaprovação involuntária, visto que a terra do Tio Sam não está no topo da minha lista de lugares para morar ou até mesmo visitar. Mas enfim. Fiquei imaginando o porque ela não poderia ser uma jornalista aqui no Brasil, e cometi a infâmia de lhe perguntar o porque. E o porquê veio.

"Ah, quero trabalhar lá fora porque acho que o povo daqui é meio... (momentos de hesitação) ah, sabe, meio.. (mente trabalhando, e reunindo coragem) meio burro."

Continuei olhando-a durante alguns segundos com a expressão mais desprovida de expressão possível. Uma avalanche de diferentes respostas me vieram à cabeça, uma verdadeira torrente de linhas de raciocínio e argumentos explodiram no meu cérebro. Imaginei por um momento qual seria a base lógica para tal afirmação, imaginei depois qual seria a relevância de tal fato, se ele fosse de fato um fato. Entrevi certa arrogância naquela declaração, arrogância que como toda arrogância é fruto da falta de conhecimento, da falta de experiência. Vi também a completa falta de amor à Pátria, não como um amor à bandeira ou um ideal que não existe, mas sim o amor àquelas coisas tão fundamentais, o amor às coisas que você conhece tão bem, o amor à terra que é uma extensão da sua casa, aos rostos conhecidos, aos sotaques acolhedores, aos cheiros conhecidos... Enfim, vi um monte de coisa, pensei um monte de coisa, e senti algumas coisas; e ainda estava olhando-a.

Não me lembro muito bem qual foi minha resposta, ela foi provavelmente atrapalhada por certa impaciência que se levantou após ouvir a resposta (e após o breve silêncio que se seguiu de minha parte). Esta impaciência pode ser justificada se entendermos que ela foi acumulada. Comecei a reparar em certa parcela da juventude um desprezo por tudo que é Brasileiro, principalmente nas áreas intelectuais e artísticas. A resposta de minha ex-aluna é o produto de uma visão completamente equivocada de nossa nação e sua cultura. É a visão que eu vejo entre muitos pseudo-intelectuais por nosso Brasil, e principalmente nas redes sociais. É uma visão que existe como um pressuposto, tão profundo que não é mais notado. Assim como não podemos ver as raízes de uma árvore, essa parcela da população não consegue enxergar nem mesmo o pressuposto, muito menos sua falsidade.

O pressuposto de que falo é a idéia - quase inconsciente - de que somos um povo inferior. E o dia 05 de Dezembro de 2012 tem algo a dizer sobre isso.

"Morre às 21:55 do dia de hoje o arquiteto Oscar Niemeyer."

Morre no dia 05 de Dezembro de 2012 um dos maiores expoentes da arquitetura moderna mundial. Assinou mais de 1000 projetos, dos quais pelo menos quinhentos saíram do papel. Pioneiro em diversas áreas da arquitetura, foi o responsável principal pela construção dos tão famosos prédios de Brasilia, entre outros diversos projetos ao redor do globo. Foi considerado o nono maior gênio vivo em uma pesquisa recente que listou os 100 maiores gênios da atualidade. Personalidade conhecida e admirada, Oscar Niemeyer com certeza é um dos mais eloquentes testemunhos da capacidade tupiniquim.

Minha intenção não é de maneira alguma santificar nosso caro arquiteto, minha intenção é trazer à memória dos Brasileiros que um Brasileiro (entre vários outros) mostrou que não precisamos compartilhar a visão que os gringos (levados pela grande mídia) têm de nós. Gostaria de deixar bem claro que o Brasileiro não é bom apenas em enganar os outros, fazer caipirinha e jogar futebol. Não somos apenas o carnaval e mulheres rebolando ou a selva e casa do Blanka. E acima e além de tudo, não somos uma nação de burros, enquanto a Europa e Estados Unidos são nações de pessoas inteligentes, cultas e profundas. Prova disso é que o Michel Teló ultrapassou a Adele durante um bom tempo nos hits mais tocados na Europa.

Mas enfim. Barbaridade por barbaridade fico com aquela que é pelo menos patriota. Naquele dia não consegui mudar a cabeça de minha aluna, e ela foi embora com a doce ilusão de que Nova York abriga melhores pessoas que aqui. Triste mesmo será quando ela chegar lá e descobrir que o vazio não estava em sua pátria, mas nela mesma.


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Sobre a falta de ter sobre o que escrever

Se não tiver sobre o que escrever escreva sobre a falta de ter sobre o que escrever. Mas isso é uma mentira. Não existe falta de assunto. Existe falta de vontade de procurar, ou falta de talento para procurar, ou talvez falta de disciplina para procurar. Mas sempre houve e sempre haverá assunto que seja digno de uma resenha, e pelo menos um louco disposto a lê-la. Essas são as duas grandes verdades de nosso mundo.

Ao escrever sobre a falta de ter sobre o que escrever, várias coisas me vêm à cabeça. A primeira coisa que me vem à cabeça é que eu tenho uma cabeça. A segunda coisa é que com essa cabeça eu posso pensar sobre o fato de ter uma cabeça. E aí já temos dois assuntos deveras interessantes e dignos de obras extensas que poderiam encher uma biblioteca inteira. Mas continuemos. Me vem à mente também  não apenas que eu posso pensar sobre, mas que eu posso também comunicar esses pensamentos à outras pessoas das mais variadas formas. Através da escrita, através da fala, através de uma pintura talvez, ou de uma música. E falando em pessoas, me lembro de que existem todos os tipos de pessoas, e me recordo da maravilhosa criatividade Daquele que é a fonte de toda luz - e de toda criatividade.

Deus criou pessoas, Deus criou raças, Deus criou seres que também criam, - e que têm cabeças.

Ora, ao pensar sobre a falta de assunto, penso sobre outra coisa que sempre pensei desde criança. Penso sobre nossa inabilidade em ficar sem pensar em nada. Nossa mente está sempre ativa; sempre pensando em algo, e de maneira meio bizarra, às vezes pensando em algo de maneira independente. Com certeza essa experiência já te atingiu. Você está lendo um livro. Seus olhos estão absorvendo as palavras. Seu cérebro está fazendo isso. Mas ao mesmo tempo que você absorve as palavras a sua mente está focada em outro assunto. Talvez sua namorada, ou futura namorada (isso acontece frequentemente comigo), talvez seu trabalho, talvez até mesmo outro livro. E seu cérebro também está fazendo isso. É quase como se fossem dois cérebros independentes, um que você controla (até certo ponto) e outro que você não controla em absoluto. Se você nunca pensou nisso, pense agora.

Mas ao falar dessa estranha dualidade um nome aparece na minha cabeça. Um nome atrelado à uma criatura estranha, expressão de todos os defeitos e desejos suprimidos de um nobre homem. Esta criatura se chama Mr. Hyde. O livro de Robert Louis Stevenson imprimiu em minha alma uma profunda compreensão e às vezes terror daquela parte escondida que todos nós temos, e que é de uma maneira muito mais clara e definida um fato no caso dos Cristãos. O apóstolo Paulo no livro de Romanos, capítulo 7, nos pinta um quadro deveras eloquente desta realidade, quadro que me recorda do quadro de Dorian Gray, outra expressão extremamente gráfica do pecado que habita em nossos corações. De fato a literatura sempre teve um peso muito grande em minha vida, e frequentemente me pego pensando nisso.

De Dúmas a Lutero, de Chesterton a Calvino, de Lewis a John Milton, e de John Milton a J. R. R. Tolkien; as palavras impressas no papel, os pensamentos, desejos, devaneios, argumentos, paixão e fantasia que são transportados de uma cabeça à um pedaço de papel sempre me fascinaram. Posso dizer sem sombra de dúvida que a eloquência de uma determinada descrição sobre um determinado fato ou ação podem te impelir a fazer ou deixar de fazer muita coisa. Foram as palavras de G. K. Chesterton impressas em um papel que impulsionaram Mahatma Gandhi e toda a revolução que o seguiu. Foram as palavras de Martinho Lutero lidas por um pastor que despertaram a incrível alma e espírito de John Wesley.

As palavras são um veículo, elas transportam idéias. E idéias transformam pessoas. E pessoas transformam o mundo.

Então quando paro para pensar, penso o quão é ridícula a noção de que não há coisas para se pensar, e consequentemente, para escrever. E aí continuarei escrevendo, mesmo que seja sobre a falta de ter sobre o que escrever - e pensar.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Pérolas de Sabedoria - Mark Twain


"Um escritor deve fazer duas coisas mais do que todas as outras; ler e escrever."

Torcidas organizadas e a Evolução das Espécies

Charles Darwin foi o defensor mais ilustre e sistematizador da teoria da Evolução ou Seleção Natural, que entre várias coisas afirma que o homem é apenas um produto de seu meio, que a vida surgiu espontaneamente em formas extremamente simples e através de processos cegos de sobrevivência e adaptação atingiu o ponto em que estamos. Primeiro a ameba, e então o Homem. O ápice (até o momento) da evolução.

De todo o vasto horizonte de argumentos filosóficos e científicos que vão contra essa teoria, gostaria de ressaltar neste breve texto um fato que parece ter passado despercebido de toda a comunidade intelectual. É bem verdade que os fatos mais óbvios e extensos são os mais difíceis de serem explicados e apontados, assim como seria muito difícil explicar o céu, ou o amor. Portanto de antemão peço desculpas se a minha inabilidade atrapalhar em demasia meu texto. 

Este fato escondido me veio à cabeça ontem, como uma luz que irrompe na escuridão, quando estava saindo da padaria. Ao cruzar a porta de saída do recinto, meus olhos caíram em um grupo de pessoas, grupo este no mínimo peculiar. Sozinho este ajuntamento de seres constitui uma prova inequívoca do equívoco Darwiniano. Todos os integrantes estavam vestidos de preto, e se identificavam com o símbolo de um galináceo. Eles se comunicavam em um dialeto paralelo, bebiam como bárbaros e riam como loucos. Este grupo de religiosos estava reunido pois ontem a sua divindade se apresentaria em carne e osso. A encarnação ocorre semanalmente, e os devotos estão sempre lá, prontos a adorá-la. Enquanto o Deus Cristão é uma Trindade, a divindade adorada por esse grupo é dividida em 11 partes, sem qualquer alteração na substância. Sendo adoradores, estão dispostos a usar a força para rechaçar grupos que adoram outras divindades, como porcos, peixes e até São Pedro. São um grupo extenso, e fiel. Na verdade, fiel é uma parte de seu nome. Darwin não teria tido a audácia de chamar o homem de evoluído se tivesse conhecido o grupo chamado Gaviões da Fiel

De fato não pretendo ser injusto. Uso a Gaviões da Fiel como referência pois foi com eles que esbarrei ontem. Mas também poderia usar a Mancha Verde, ou a Independente, ou qualquer outra denominação destes grupos chamados de torcidas organizadas.

Recentemente tive o desprazer de ouvir a história de um homem que terminou o noivado pela razão mais estapafúrdia imaginável. Ele queria viajar para o Japão afim de ver o Corinthians. Sua noiva se opôs, visto que eles estavam perto de casar e esse momento seria terrível para isso. Este rapaz então, dando provas de sua evolução resolveu terminar o relacionamento, e cancelar todo o casamento. Mas não apenas isso, ele aparentemente deu uma entrevista mostrando todo seu orgulho, e batendo no peito com um zelo de dar inveja à qualquer "fanático" religioso. 

Este é apenas um exemplo que calhou de cair na mídia, devemos ter muitos outros, e ainda piores. Minha crítica não se aplica à todos que gostam de futebol, ou esportes em geral. Hoje sei que todos nós precisamos de uma distração, de uma diversão. Eu tenho as minhas, outros têm as deles. E futebol é indiscutivelmente uma preferência nacional. Minha crítica é muito bem definida, e possui um alvo cuja silhueta está claramente recortada contra o fundo de pano da sociedade. 

Enquanto estava escrevendo este texto jornais publicaram o tumulto causado pela Gaviões no Aeroporto de Guarulhos durante o embarque do Corinthians para o Japão. E então a mesma cena patética se repete. Brigas, discussões, vandalismo, Polícia acionada. Seguem-se marmanjos com a cara no chão, bombas de efeito moral, sangue, e violência gratuita e estúpida. Eu tenho sérias dificuldades em entender como alguém sai de casa para presenciar uma cena ridícula dessas. Como alguém pode sair à procura de apanhar como um anônimo em prol de causa alguma. Como milhares de pessoas derramam seu sangue por um time de futebol, e declaram amor à uma bandeira de um clube. Não tenho o mínimo respeito por pessoas assim. Todo esse amor e zelo dedicados à uma causa estúpida fazem muita falta na família, no trabalho, ou em atividades que realmente são importantes. Aquele senhor que foi citado anteriormente amava o Corinthians muito mais que sua futura esposa. A pergunta é: O Corinthians o ama de volta? O Corinthians o completa? O Corinthians o ajuda na doença, o faz rir, explica sua existência? O que o Corinthians faz por ele? E a resposta é tão clara quanto terrível. O Corinthians proporciona entretenimento.

A moral da história é: Essas pessoas colocam o entretenimento como o propósito máximo de suas vidas. Elas vivem para ser entretidas. 

E então imagino Darwin aqui, lendo esse texto, e pensando se o homem realmente evoluiu. Acho que ele pensaria duas vezes. Essas pessoas são a marca mais clara da involução humana. A natureza faz um facepalm quando as vê.