quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ensaio sobre Perdão - C. S. Lewis



Nós dizemos muitas coisas na igreja (e fora da igreja também) sem realmente pensar no que estamos dizendo. Por exemplo, nós dizemos no Credo "Eu acredito no perdão dos pecados." Eu disse isto por muitos anos antes de me perguntar a razão pela qual ele estava no Credo. À primeira vista parece que dificilmente valesse a pena ser incluído. "Se alguém é um Cristão," eu pensei "é claro que ele acredita no perdão dos pecados. Isso não precisa ser dito." Mas as pessoas que compilaram o Credo aparentemente pensaram que essa é uma parte de nossa crença que precisa ser relembrada todas as vezes que formos à igreja. E eu comecei a enxergar que, até onde eu sei, eles estavam certos. Acreditar no perdão dos pecados não é tão fácil quanto eu pensei. Confiança real neste fato é o tipo de coisa que facilmente nos escapa se não mantivermos atenção constante.

Nós acreditamos que Deus perdoa nossos pecados; mas também de que Ele não o fará se não perdoarmos os pecados das outras pessoas contra nós. Não há dúvidas sobre a segunda parte dessa declaração. Está na oração do Pai Nosso, foi enfaticamente declarado por Nosso Senhor. Se você não perdoar, o perdão não lhe será concedido. Sem exceções. Ele não diz que devemos perdoar os pecados das outras pessoas, contanto que eles não sejam tão terríveis, ou contanto que haja circunstâncias extenuantes, ou nada do gênero. Nós devemos perdoas todos, não importando quão vingativos, quão malignos, quão frequentes eles sejam. Se não o fizermos, de igual maneira nenhum pecado nosso será perdoado.

Agora, me parece que nós frequentemente cometemos um erro tanto sobre o perdão de Deus dos nossos pecados quanto o perdão que é exigido que conçedamos aos pecados das outras pessoas. Tomemos primeiramente o caso do perdão Divino. Eu percebo que quando estou pedindo a Deus que perdoe meus pecados eu estou na realidade (a menos que eu me vigie muito cautelosamente) pedindo à Ele algo de fato bastante diferente. Eu estou pedindo não que Ele me perdoe, mas sim que Ele me desculpe. Mas há toda a diferença do mundo entre perdoar e desculpar. O perdão diz, "Sim, você fez isto, mas eu aceito suas desculpas; eu jamais usarei isto contra você e tudo entre nós será exatamente igual era antes." Onde não há culpa não há perdão. Neste sentido perdão e desculpas são quase opostos. É claro, em vários casos, ou entre Deus e o homem, ou entre um homem e outro, pode haver uma mistura dos dois. Parte daquilo que a princípio pareciam ser os pecados no final acaba sendo destituído de culpa de ambas as partes e é desculpado; o resto que sobra é perdoado. Se você tivesse uma desculpa perfeita, o perdão lhe seria inútil; se todas as suas ações carecem de perdão, então não há desculpa alguma para elas. Mas o problema é que pedir que Deus "perdoe nossos pecados" muito frequentemente realmente consiste em pedir que Deus aceite
nossas desculpas. O que nos leva a esse erro é o fato que geralmente há alguma quantidade de desculpas, algumas "circunstâncias extenuantes." Nós tão ansiosamente apontamos essas coisas para Deus (e para nós mesmos) que estamos aptos a perder a coisa realmente importante; isto é, aquele resto que sobrou, o resto que desculpas não cobrem, o resto que é indesculpável mas não, graças a Deus, imperdoável. E se nós esquecermos isto, podemos levantar achando que nos arrependemos e fomos perdoados quando tudo que na verdade aconteceu foi que satisfizemos a nós mesmos com nossas próprias desculpas. Elas podem ser péssimas desculpas, nos satisfazemos muito facilmente com nós mesmos.

Há dois remédios para esse perigo. Um é lembrar que Deus conhece todas as nossas reais desculpas muito melhor do que nós mesmos. Se realmente existem "circunstâncias extenuantes" não há sentido em ter medo que Ele as deixará de levar em conta. Muito frequentemente Ele deve ter ciência de muitas desculpas que jamais teríamos pensado em usar, e portanto, almas humildes, após a morte, possuem a maravilhosa surpresa de descobrirem que em certas ocasiões eles pecaram muito menos do que pensaram. Todas as desculpas reais serão levadas em conta por Ele. O que devemos Lhe dar é a parte indesculpável, o pecado. Nós apenas perdemos nosso tempo falando sobre todas as coisas que podem (assim pensamos) ser desculpadas. Quando você vai a um médico, as partes que são mostradas são as que possuem algo de errado - digamos, um braço quebrado. Seria pura perda de tempo continuar explicando que suas pernas e garganta e olhos estão perfeitos. Você pode estar enganado em agir assim, e de qualquer maneira, se eles estiverem realmente perfeitos, o doutor irá saber.

O segundo remédio é realmente e verdadeiramente acreditar no perdão dos pecados. Grande parte de nossa ansiedade de criar desculpas vem da nossa falta de confiança, de pensar que Deus não nos aceitará a menos que Ele esteja satisfeito com algo que esteja em nós. Mas isso não é perdão em absoluto. O verdadeiro perdão significa olhar firmemente para o pecado, o pecado que é deixado sem nenhuma desculpa, após todas as concessões serem feitas, e o enxergar em todo seu horror, sujeira, malignidade, e malícia, e a despeito de tudo isto se reconciliar com o homem que o praticou.

Quando a questão é nosso perdão para com as outras pessoas, isso se traduz em parte de maneira igual em parte diferente. É igual porque, aqui perdoar também não significa desculpar. Muitas pessoas parecem pensar que sim. Elas pensam que se você pedir a alguém que perdoe uma traição ou ataque, isso significa que você está tentando dizer que não houve na verdade traição ou ataque algum. Mas se assim fosse, não haveria nada a ser perdoado. (Isto não significa que você deve necessariamente confiar na próxima promessa desta pessoa. Significa, antes, que você deve fazer todo esforço para matar qualquer traço de ressentimento no seu próprio coração - todo desejo de humilhá-la ou machucá-la afim de se vingar) A diferença entre esta situação e a outra onde você está pedindo o perdão Divino é esta. No nosso caso aceitamos desculpas muito facilmente, quanto às outras pessoas não as aceitamos de maneira suficientemente fácil. No que diz respeito aos meus próprios pecados é uma aposta segura (embora não uma certeza) que minhas desculpas não são tão boas quanto eu penso; no que diz respeito aos pecados alheios contra mim é uma aposta segura (embora não uma certeza) que as desculpas são de fato melhores do que eu penso. Portanto devemos começar a examinar tudo que possa indicar que a pessoa não era realmente tão digna de culpa como pensávamos. Mas mesmo se ela for absolutamente culpada, ainda devemos perdoá-la; e mesmo se noventa e nove porcento de sua culpa aparente puder ser explicada através de ótimas desculpas, o problema com o perdão começa com o um porcento de culpa que sobrou. O que pode  realmente produzir boas desculpas não é a caridade cristã, é apenas justiça. Ser Cristão significa perdoar o imperdoável, pois Deus perdoou o imperdoável em você.

Isto é difícil. Talvez não seja tão difícil perdoar uma única e grande injúria. Mas perdoar as incessantes provocações do cotidiano - continuar perdoando a madrasta arrogante, o marido ignorante, a esposa ranzinza, a filha egoísta, o filho traiçoeiro - como podemos fazer tal coisa? Apenas, penso eu, nos lembrando de onde nos encontramos, de mantermos a sinceridade quando oramos todas as noites "perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido." O perdão não nos é oferecido sob nenhum outro termo. Recusar isto é recusar a misericórdia de Deus sobre nós mesmos. Não há nenhuma sugestão de exceção e Deus é sério quando o diz.


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