quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Sobre a Mitologia dos Cientistas - G. K. Chesterton




O que eu me aventuro a criticar em certos homens, os quais são chamados de cientistas por alguns e de materialistas por mim, é o seu uso perpétuo da Mitologia. Uma metade do que eles dizem é tão verdade que chega a ser banal; a outra metade é tão inverdade que chega a ser transparente. Mas eles cobrem ambas suas banalidades e pretensões através de um elaborado desfile de imagens alegóricas e lendárias. Eu li isto em um comentário sobre Darwinismo de um dos últimos Darwinianos sobreviventes: 'Entre os indivíduos de todas as espécies acontece, como Malthus havia percebido, uma competição ou luta pela vida, e a Natureza seleciona os indivíduos que variam na direção mais bem-sucedida.' Agora, quando os homens das religiões antigas disseram que Deus escolhera um povo ou levantara um profeta, pelo menos eles queriam dizer algo com isso; e eles queriam realmente dizer o que disseram. Eles quiseram dizer que um ser como uma mente e vontade usou tais faculdades em uma ação de seleção. Mas quem é a Natureza, e como ela, ou ele, ou isso, é capaz de selecionar qualquer coisa? Tudo que o escritor realmente tem a dizer é que alguns indivíduos de fato sobrevivem enquanto outros são extintos. Dificilmente precisaríamos de Darwin ou Darwinianos para nos dizer isso. Mas a Natureza escolher aqueles que variam na direção mais bem-sucedida não significa nada em absoluto, exceto que os bem-sucedidos foram bem-sucedidos. Mas esse truísmo tautológico é envolvido em nuvens de mitologia, pela introdução de um ser mítico que até mesmo o escritor considera como um mito. O leitor deve ser impressionado e iludido pela visão de uma vasta deusa de pedra sentada em um trono sobre uma montanha, e apontando para um sapo ou coelho e dizendo, com voz de trovão, que apenas este deve sobreviver. Tudo que sabemos é que ele de fato sobrevive (pelo momento), e então nos orgulhamos da capacidade de repetir o simples fato de que ele sobrevive em cinquenta expressões variadas e floridas; ou que foi naturalmente selecionada para a sobrevivência; ou que ele sobrevive pois é o mais adequado para a sobrevivência; ou que a grande lei dos mais fortes da Natureza severamente o ordena a sobreviver. Os críticos da religião costumavam dizer que os mistérios da mesma eram pantominas; mas estas coisas são de fato pantominas em um sentido muito especial e real. Elas são coisas oferecidas à congregação crédula por sacerdotes que sabem que elas são pantominas. É impossível provar que os sacerdotes sabem que não existe um deus no santuário, ou verdade no oráculo. Mas nós sabemos que os materialistas sabem que não existe tal coisa como uma larga e fastidiosa dama, chamada Natureza, que aponta o dedo para um sapo.

O caso particular no qual essa metáfora mitológica foi usada é claramente outro assunto. Ele é, de fato, um assunto que tem envolvido em várias ocasiões uma grande parte desse elemento da mitologia materialista. Para enxergar qual verdade ele realmente embarca precisaríamos voltar ao antigo debate Darwiniano; coisa que eu não tenho a mínima intenção de fazer aqui. Mas eu posso observar, de passagem, que essa noção da Natureza selecionando coisas é especialmente incompatível com tudo que pode realmente ser dito em seu próprio favor; e que o próprio nome da seleção natural é um nome extremamente anti-natural para todo o processo. Pois a base de tudo que eles defendem é que tudo aconteceu, no sentido ordinário e humano, por acidente. Nós deveríamos antes chamar de coincidência; e alguns de nós chamam de uma deveras incrível coincidência. Mas, de qualquer maneira, o caso é que um quadrúpede calhou de ter um pescoço mais longo, e viveu em um momento onde era necessário alcançar uma árvore mais alta. Se esses acontecimentos calham de acontecer cem vezes em sucessão, exatamente da mesma maneira, você pode através desse processo transformar algum tipo de ovelha em uma girafa. Se isto é provável ou não é outra questão. Mas toda a questão Darwiniana, e de fato o argumento Darwiniano é que este não é um caso de seleção Natural assim como não é de seleção Divina, ou seleção de qualquer outra coisa, mas sim um caso onde as coisas simplesmente aconteceram dessa maneira. Nós estamos de fato prontos a discutir árvores e girafas em seu lugar devido, sem referências perpétuas a Deus. Será que os materialistas não poderiam controlar seu sentimentalismo romântico e retórico para que também pudessem falar dessas coisas sem referências perpétuas à Natureza? Façamos uma barganha: deixemos nossa teologia por um momento se eles deixarem sua mitologia?

Mas o hábito mitológico não está inteiramente e exclusivamente confiando aos homens da ciência, ou até mesmo aos materialistas. Esse tipo de mitologia está antes disseminado sobre todo o mundo moderno. A forma popular do mitológico é o metafórico. Certas figuras de linguagem estão fixas na mente moderna, exatamente como as fábulas dos deuses e das ninfas estavam fixas na mente da antiguidade pagã. É surpreendente observar quão frequentemente, quando abordamos um homem com qualquer coisa que se assemelhe à uma idéia, ele responde com alguma metáfora reconhecida que deveria ser apropriada ao caso. Se você lhe diz, 'Eu prefiro o princípio do Grêmio ao princípio da Confiança,' ele não irá responder falando sobre princípios. Ele pode dizer, 'Você não pode voltar o relógio.' com toda a regularidade de um relógio. Este é um exemplo deveras extremo do colapso mental que recai em metáforas. Pois o homem está de fato subestimando seu próprio argumento por puro amor à metáfora. Pode ser impossível voltar no tempo, mas não é impossível fazer o relógio voltar no tempo. Ele estaria em uma posição melhor se falasse sobre a abstração chamada tempo; mas um apetite devorador por linguagem figurativa o força a falar sobre relógios. É claro, a questão real não tem nada a ver com relógios ou tempo. É a questão se certos princípios abstratos, os quais podem ou não ter sido observados no passado, deveriam ser observados no futuro. Mas o ponto é que aqui até mesmo o homem que diz que não podemos reconstruir o passado pode dificilmente reconstruir sua própria sentença em qualquer outra forma exceto essa forma figurativa. Sem seu mito, ou sua metáfora, ele está perdido. 

Outra massa de metáforas é vista no fenômeno da manhã, ou o fato de que o sol nasce; ou, então (eu rastejo em desculpas aos homens da ciência), que parece nascer. É uma metáfora perfeitamente natural para poetas; ou, de fato, para todos os homens, naquele aspecto em que todos os homens são místicos. Que existe um mistério nessas coisas naturais, que a imaginação entende mais sutilmente que a razão, é bem verdade. Nem possuo também qualquer contentamento mesmo com a mitologia sendo considerada como mitologia. Mas quando queremos saber o que alguém quer fazer, quando perguntamos à um pensador-livre o que ele pensa, e porque ele pensa dessa maneira, é um pouco cansativo ouvir que ele está esperando pelo Amanhecer, ou ocupado no momento cantando canções antes do Sol Nascer. Alguém pode se sentir tentado a replicar que o amanhecer não é sempre uma coisa alegre, até mesmo para aqueles que exercitaram seu pensamento livre sobre as tradições convencionais de sua própria sociedade. Existe algo como ser baleado no Amanhecer. 

Eu não quero dizer nem mesmo por um momento que deveríamos parar com as metáforas e os mitos em absoluto. Eu constantemente as uso, e continuarei a fazê-lo. Mas eu penso que deveríamos ficar em guarda quanto a usá-las como substitutos para a razão. Talvez seria interessante termos um Dia de Jejum, no qual empreenderemos uma abstinência de termos abstratos. Concordemos que toda sexta feira devemos ficar sem metáforas como ficamos sem carne. Eu tenho certeza que seria bom para a digestão intelectual. 

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