quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O Deus Soberano da Elfolândia (Porque o Anti-Calvinismo de Chesterton não me repele)


Por John Piper


Desde de meus dias no Colégio de Wheaton, quando eu segui o conselho de Clyde Kilby de ler Ortodoxia, de G. K. Chesterton, ele tem sido um dos meus livros favoritos. Eu penso que é o único livro que eu li mais de duas vezes (exceto pela Bíblia). 

Isto é estranho. Chesterton não era apenas um Católico Romano, ele também odiava o Calvinismo. Então o que acontece comigo e Ortodoxia? Eu ainda penso que pelo menos meia dúzia de doutrinas Católicas Romanas são prejudiciais à verdadeira vida Cristã (autoridade papal, regeneração batismal, transubstanciação, purgatório, a veneração de Maria.) E eu penso que "as doutrinas da graça"("Teologia reformada, "Calvinismo) são uma expressão preciosa e saudável da doutrina bíblica. 

Campo Comum ("Elfolândia")

Mas eu continuo voltando ao Ortodoxia, de Chesterton. A razão é que nós enxergamos o mundo de maneira tão similar, e que o Calvinismo que ele odeia não é o Calvinismo que eu amo.

- Ambos ficamos estupefatos por estarmos nadando no mesmo maravilhos mar sem fronteiras chamado universo.

- Ambos nos maravilhamos não pelo fato de alguém ter um nariz pontudo ou achatado, mas por ter um nariz em absoluto. 

- Ambos pensamos que é tão provável que a razão pela qual o sol nasce toda manhã não é uma assim chamada "lei," mas sim porque Deus diz, "Faça novamente." E que Ele o diz mais como uma criança deliciada do que como um severo chefe. 

- Ambos acreditamos que lógica e imaginação são completamente compatíveis e que um não será útil  sem o outro.

- Ambos acreditamos que a mágica do universo deve possuir significado, e significado precisa ser conferido por alguém. 

- Ambos acreditamos que as glórias deste universo são como bens resgatados de alguma ruína primordial - uma ruína cuja evidências estão em todo lugar. 

- E ambos acreditamos que o paradoxo está tecido na natureza do universo, e que resistir à isto deixa uma pessoa louca. "Poetas não enlouquecem; mas jogadores de xadrez sim. Matemáticos ficam loucos, e caixas; mas artistas criativos muito raramente… O poeta apenas pede para colocar sua cabeça nos céus. É o lógico que tenta enfiar os céus na cabeça. E é a cabeça que se estilhaça."

Estas e outras centenas de felizes, e esclarecedoras concordâncias continuam me trazendo de volta, pois ninguém as disse melhor do que Chesterton. Como C. S. Lewis, ele enxerga mais maravilhas em um dia ordinário do que nós em uma centena de milagres. Eu continuarei voltando à qualquer um que me ajude a enxergar e me maravilhar com aquilo que está bem na minha frente - qualquer um que possa me ajudar na cura da doença de "ver mas não enxergar." 

Não o Mesmo Calvinismo

Mas como pode o Calvinismo despertar tal alegria em mim, e tal ódio em Chesterton? Talvez porque eles não sejam o mesmo Calvinismo. Ele pensa que o Calvinismo é o oposto de toda esta alegre admiração e contemplação que temos em comum. O Calvinismo que ele odeia é parte do racionalismo que leva as pessoas à loucura. 

"Apenas um grande poeta Inglês ficou louco, Cowper. E ele foi definitivamente levado à loucura pela lógica, pela feia e estranha lógica da predestinação. Poesia não era a doença, mas sim o remédio; a poesia o manteve parcialmente são… Ele foi condenado por João Calvino; ele foi quase salvo por John Gilpin."

Não, Sr. Chesterton, William Cowper não foi levado à loucura pelo Calvinismo. Ele foi levado à loucura por uma doença mental que atravessou sua família por gerações, e ele foi salvo por John Newton, talvez o Calvinista mais humilde e feliz que já viveu. E ambos enxergaram as maravilhas da "Graça Maravilhosa" através dos olhos da poesia. Sim, isto foi um bálsamo de cura. Mas a doença não era o Calvinismo - se houvesse sido John Newton não teria sido o feliz, saudável e santo amigo que foi. 

O Calvinismo que Cresce na "Elfolândia"

Aqui está a razão pela qual os tiros de flecha de Chesterton ao Calvinismo não me desanimam. O calvinismo que eu amo está muito mais perto da "Elfolândia" que ele ama do que do racionalismo que ele odeia. 

Ele iria com certeza ficar estupefato pela minha experiência. Para mim a maior, mais forte, mais linda, e mais frutífera árvore que cresce no solo da "Elfolândia" é o Calvinismo. Aqui está uma árvore grande o suficiente, e forte o suficiente, e alta o suficiente para permitir que todos os ramos paradoxais da Bíblia vivam - e balançar com a alegria do sol da soberania de Deus. 

Sob a sombra desta árvore, eu fui liberto das forças procustianas* e anti-bíblicas do livre-arbítrio pressuposicionalista - a inflexível e estranha suposição de que sem o direito humano da última auto-determinação os seres humanos não podem ser responsáveis por suas escolhas. Quando eu andei para longe desta limitada, racionalista e esparsa árvore e adentrei a sombra da massiva árvore do Calvinismo, este dia foi feliz. De repente percebi que era sobre isto que a poesia sempre tinha sido. Esta é a árvore onde todos os ramos de todas as verdades que o homem tem tentado separar florescem.

E Quanto à Lógica? 

Para mim é uma grande ironia o fato de que Calvinistas são estereotipados como aqueles motivados pela lógica. Durante quarenta anos minha experiência tem sido o oposto. Os Calvinistas que eu tenho conhecido (Puritanos Ingleses, Edwards, Newton, Spurgeon, Packer, Sproul) não são levados pela lógica, mas pela Bíblia.  São os adversários que trazem sua lógica até a Bíblia e nulificam texto após texto. Ramos são cortados pela "lógica," não exegese. 

Quais são os grandes desfrutadores do paradoxo em nossos dias? Quem são os pastores e teólogos que seguram ambos os chifres de todos os dilemas bíblicos e juram para o Deus-Homem: Eu jamais soltarei qualquer um dos dois.

Não os críticos do Calvinismo que eu conheço. Eles lêem sobre o amor divino e dizem que a predestinação não pode ser verdade. Eles lêem sobre a escolha humana e dizem que o Divino controlando cada passo nosso não pode ser verdade. Eles lêem sobre resistência humana e dizem que a graça irresistível não pode ser verdade. Quem é levado pela lógica?

Por quarenta anos o Calvinismo tem sido, para mim, a visão de vida que abraça mais mistério do que qualquer outra visão que eu conheço. Ela não é levada pela lógica. É levara por uma visão da inefável e galáctica vastidão da Palavra de Deus.

Sejamos claros: Ela não abraça contradições. Chesterton e eu concordamos que a verdadeira lógica é a lei da "Elfolândia." "Se as irmãs feias são mais velhas que a Cinderela, ela é (em um sentido terrível e fixo como aço) por necessidade mais jovem que suas irmãs." Nem Deus nem Sua palavra são auto-contraditórios. Mas paradoxos? Sim. 

Nós felizes Calvinistas não declaramos ter os céus em nossas cabeças. Nós tentamos colocar nossas cabeças nos céus. Não declaramos ter respostas compreensivas à paradoxos revelados. Nós acreditamos. Nós tentamos entender. E irrompemos em canções e poesia vez após vez.

Do Dilema ao Unicórnio

Nós não ajustamos as desconcertantes categorias das Escrituras para que as mesmas se ajustem à razão. Nós tomamos como um de nossos trabalhos criar categorias nas mentes humanas que jamais existiram nestas mentes antes - um trabalho que apenas Deus pode fazer - embora Ele nos faça Seus agentes. Por exemplo, nos esforçamos para criar tais categorias de pensamento como estas:

- Deus governa o mundo de felicidade e sofrimento e pecado, desde o rolar de um dado, até a queda de um pássaro, e a condução do prego na mão de seu Filho; ainda, embora Ele deseje que tal pecado e sofrimento exista, Ele não peca, mas é perfeitamente santo.

- Deus governa todos os passos de todas as pessoas, tanto boas quanto más, em todos os tempos e lugares; ainda de maneira que todos são responsáveis perante Ele e irão sofrer as justas consequências de Sua ira se eles não crerem em Cristo. 

- Todas as pessoas estão mortas em seus delitos e pecados, e não são moralmente capazes de vir à Cristo por causa de sua rebelião; ainda, eles são responsáveis em ir, e serão justamente punidos se não forem.

- Jesus Cristo é uma pessoa com duas naturezas, divina e humana, sendo um fato que Ele manteve o mundo pela palavra de Seu poder enquanto estava no útero de sua mãe.

- O pecado, embora cometido por uma pessoa finita e nos limites do tempo finito é não obstante merecedor de uma punição infinitamente longa uma vez que é um pecado contra um Deus infinitamente digno. 

- A morte do único Deus-Homem, Jesus Cristo, de tal maneira demonstrou e glorificou a justiça de Deus que Deus não é injusto em declarar como justos ímpios que simplesmente acreditam em Cristo.

Estes são alguns do ramos entrelaçados e paradoxais que crescem na árvore do Calvinismo. Eles não crescem no solo da caída lógica humana. Eles crescem no solo Biblicamente saturado da "Elfolândia." Aqueles que lá vivem sabem que um Dilema com dois chifres é provavelmente uma metamorfose de um unicórnio. 

Eu agradeço a Deus por G. K. Chesterton. Seu dom de enxergar o mundo e dizer o que ele enxerga era incomparável. Ele abre os meus olhos para as maravilhas que estão lá fora. E que o que está lá é o trabalho das mãos de Deus. Ele provavelmente ficaria consternado ao ouvir isto, mas seus olhos me ajudaram a ver mais claramente do que nunca o Deus de Jonathan Edwards.



*Procusto era um bandido da Mitologia Grega que obrigava as pessoas a deitarem em sua cama de ferro e as mutilava afim de que coubessem perfeitamente na mesma, mutilando-as ou esticando-as. O conceito aqui é usado no sentido de distorcer as passagens bíblicas afim de caber na "cama de ferro" da lógica. 

2 comentários:

  1. Bom texto, contudo continuo sem gostar do Chesterton. Sem dúvida é um autor erudito, e tem boas sacadas, mas seu "Ortodoxia" (único livro dele que tentei ler - e ainda não consigo terminar...) é por demais racionalista, e ironicamente ele critica tal movimento. Não apenas por suas críticas ao Calvinismo (que são bem toscas), mas também em sua tentativa de criticar Nietzsche. Enfim, é um grande autor, mas não gostei dele... rs.

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  2. Quanto às críticas dele ao Calvinismo e ao Protestantismo em geral, concordo plenamente que eram bem superficiais e toscas, uma nota de aparente e surpreendente falta de conhecimento cercava tudo que eu li dele sobre isso.

    Já quanto ao Nietzsche, porque exatamente você acha que as críticas dele, ou antes tentativas de crítica, foram infundadas?

    Abraços Flávio!

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